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África do Sul
Traduzindo cultura pela emissora comunitária
Texto e Fotos: Flora Pereira da Silva
Arte: Natan Aquino

 

O apresentador tem três convidados: a mãe, de grandes curvas, voz grossa, óculos descolados e vestido jeans que já não serve como antes; a filha, também redonda, pele brilhante de tom negro caramelo alinhada com calça, blusa e maquiagem preta; e o namorado da filha, magrelo estilo pirulão, de bermudas, chinelo de faixa grossa, pernas esticadas e corpo largado – miraculosamente – dado o tamanho da poltrona em que está sentado. A discussão está quente, a sogra intimida discordando em alto e bom tom do que o genro está defendendo.

 

O cenário faz parte de um dos mais de 40 programas que são girados pela Soweto TV, emissora comunitária do distrito de Soweto, em Johanesburgo, mais conhecido por ter sido uma vez lar para Mandela e Tutu, ambos com um Nobel da Paz no currículo. Seus 800 mil moradores transpiram cultura e a sua emissora não deixa para menos. Situada em uma antiga escola, é formada por quatro ambientes consecutivos. Ao caminhar pelo corredor semiaberto, na primeira porta você encontra alguns film editors produzindo a todo vapor em seus computadores. Na segunda ramifica-se sala de espera, camarim e sala de reunião. A terceira é o estúdio, que, com diversas paredes móveis se transforma em um novo ambiente a cada programa. No fim do corredor, a ilha de edição, onde se destaca o quadro de horários da semana, preenchido de cabo a rabo. Ali, as gravações não param.

 

Na ilha de edição, trabalhadores e visitas assistem pelos aparelhos a discussão que acontece na sala ao lado e riem dos foras que o descontraído genro está recebendo da sogra, enquanto a namorada e filha ainda não sabe muito bem de que lado está. O programa, girado semanalmente, aborda temas frequentes da juventude local. O assunto da vez é uma situação cada vez mais frequente em Soweto: jovens que vão morar na casa dos pais – dos pais da namorada. O tema é um tabu, não muito bem visto na sociedade sul-africana, e pelo visto, nem pela dúzia de pessoas que formam o público da ilha de edição.

 

Criada em 2005, os fundadores da Soweto TV, todos moradores do distrito, planejavam despertar no país o conceito da TV comunitária. Os primeiros programas televisionados foram negociados no esquema de tudo ou nada: uma emissora cedeu um mês no ar para saber qual era a do novo grupo – se gostassem, decidiriam por mantê-lo. Gostaram, e um mês se transformou em dois anos. Em 2007, a televisão, que tinha transmissão exclusiva para a comunidade, ganhou dimensão regional para toda província de Gauteng, que seria o relativo a um Estado no Brasil. No final do mesmo ano, tinha fama nacional: recebeu espaço no canal pago, acessado pela maioria do país.

 

Quem está supervisionando a execução do debate, assim como a finalização, planejamento e elaboração de outros programas rodados anteriormente, é Jonathan Ramotsi, um dos idealizadores da emissora. Recém-chegado na casa dos 30, o jovem explica que na África do Sul, o conceito de TV comunitária é diferente dos outros países do continente. Quando se diz televisão ou rádio comunitária normalmente está se referindo ao alcance geográfico da mídia, já na África do Sul é relativo ao proprietário da estação. A comunidade é dona da emissora: a administração, os diretores, tudo vem de dentro dela. Mesmo quem não está entre os 75 funcionários contratados na Soweto TV, também participa. Periodicamente são realizados os stakeholders meetings, onde qualquer membro da comunidade pode vir opinar, sugerir, ajudar e decidir como a emissora deve ser administrada.

 

Ramotzi sorri pouco durante a conversa, não pelo humor, mas pela seriedade e paixão que investe quando está falando do seu trabalho. Ele explica que é preciso saber gerenciar de um jeito que só se aplica a uma emissora comunitária e que não adianta tentar gerenciar a estação como os big guys, as grandes emissoras, o fazem – simplesmente não vai funcionar. Uma TV comunitária deve ser feita para a comunidade, simplifica o diretor. “Todo o tipo de público – crianças, jovens, mulheres, homens, idosos – deve ser alcançado. Nós temos uma responsabilidade para com eles. Os assuntos abordados devem ser relevantes para as pessoas de Soweto, até mesmo durante as propagandas. Antes de colocar um anúncio no ar, você tem que pensar: a comunidade pode pagar por esse produto? Se não pode, você está fazendo do jeito errado. A única diferença entre a boa e a má gerência é o amor pela comunidade”.

 

De volta ao debate, as coisas não vão tão bem para o jovem hóspede, acuado agora também pela namorada. Já sem muita saída para os argumentos de oposição, ele culpa a vida e a sociedade por não lhe terem dado condições para outra escolha. Neste momento, a gargalhada é geral e pela reação de todos – mãe, filha, apresentador e até a staff atrás das câmeras – a justificativa não parece ser a maior das verdades. O próprio jovem com riso abafado tem pinta de não acreditar no que disse. A mãe, que ao longo da última hora foi ganhando o carisma do público com frases de efeito, dá a deixa final para terminar o programa e, quem sabe, conseguir tirar o genro de casa: “nós temos sempre que nos lembrar de que o conformismo é temporário e que um dia ele vai embora…”.

 

Foto 1. Jonatham Ramotsi, um dos fundadores da Soweto TV
Foto 2. Estúdio, palco de debates, entrevistas e talkshows da emissora
Foto 3. O quadro de programas da semana – as gravações não param

Foto 4. Ilha de edição da televisão comunitária
Foto 5. Nkulee Dube, cantora jazz e ethno-reggae, entrevistada convidada da emissora

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