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QuêniaOs Samburu, Turkana, El Molo
e Rendille 
Texto e Fotos: Flora Pereira da Silva
Arte: Natan Aquino

 

De Nairóbi, são dois dias de viagem para chegar ao Lago Turkana, no extremo norte do país. O caminho, que começa com montanhas como o Monte Kenya exibindo seu topo rodeado de neve, vai dando espaço a campos de flores, para começar abrir passagem entre a savana, onde acaba o primeiro dia de viagem. A segunda parte do percurso é aquela que vem para tirar o fôlego. A seca vai chegando e se tornando protagonista do cenário e às tradicionais cabras e vacas das estradas africanas, juntam-se camelos e avestruzes. Horas e horas de esparsas árvores contorcidas ameaçando o espaço com seus espinhos, e pedras redondas vulcânicas começam a aparecer espalhadas pelo chão, até formarem um tapete compacto, uma paisagem que é enfeitada ao fundo por largas ondas de montanhas. De repente, um azul esmeralda rasga o cenário. O Lago Turkana encara calmo os seus visitantes.

 

 

Os Samburu
Ao longo de todo o caminho, trazendo um maior significado a natureza, estão as comunidades tradicionais do norte do Quênia. Preservando séculos de cultura, mulheres, homens e crianças trazem vida ao cenário com suas vestes coloridas, colares de miçanga, penares e acessórios de batalha. No primeiro dia, a viagem corta a Terra dos Samburu, guerreiros por história e pecuaristas por tradição, eles são seminômades e alimentam-se de leite e sangue no dia a dia e carne ocasionalmente, assim como os Maasai, seus ‘primos’. De mesma origem nilótica, as duas culturas carregam alguns traços em comum, sobretudo no idioma. Mas, as singularidades continuam sendo muitas. Um dos traços de identidade da mulher Samburu é o cabelo raspado, estilo que destaca a pilha de colares coloridos no pescoço. Entre outras atividades, elas são as responsáveis pelas poucas ocorrências de comércio e, por isso, frequentam vilas maiores como Isiolo e Maralal.

 

 

Os guerreiros preferem os campos. Na mata ou na pequena vila oásis de South Horr, os jovens caminham orgulhosos exibindo seus capacetes de penas e suas ferramentas de batalhas. Alguns corpos são cobertos por tatuagens de escarificação e no peito estão desenhados a ferro quente infinitos risquinhos, que servem para comprovar a natureza belicosa de quem os carrega. O cabelo cumprido é trançado e amarrado para trás, algumas vezes colorido com ocre. Duas tiras de miçanga cruzam o busto, e ressaltam a proeminência dos músculos no corpo magro. Os Samburu, na verdade, preferem se chamar por outro nome: Lokop, que significa ‘os donos da terra’. Terra esta que também é disputada pelo povo Turkana, causando alguns conflitos de quando em quando entra as duas comunidades. A disputa, que se encontra em um momento de trégua, é bem ilustrada na pequena vila Marai, composta de uma única rua. São 20 casas de tijolos, divididas igualmente entres os dois lados da rua. Atrás de cada fileira, cresce uma pequena vila de casas tradicionais. Do lado oeste moram os Samburu, enquanto do leste os Turkana. Ali, está o início da presença de uma cultura que seguirá se espalhando até a fronteira com a Etiópia.

 

 

Os Turkana
Saindo de Maral e seguindo em direção ao norte, avistam-se dezenas de pastores turkana, cuidando de suas cabras, vacas, burros e, principalmente, camelos. Porém, a maior concentração da comunidade está na vila Loyangalani, que beira a margem leste do Lago Turkana, conhecido como a joia de jade da África. Ali, a maior economia não podia ser outra que a pesca. ‘O lago é o nosso caixa eletrônico’, explica rindo um dos moradores, ‘na hora da fome é só ir até ali e buscar o prato’. O leite também faz parte do cardápio diário. Toda manhã, enquanto os homens vão pescar, as mulheres ordenam os animais. São elas também que buscam a água do dia, no poço da vila, um dos hotpoints da comunidade. Ali, enquanto as crianças pirulam de cá e de lá, o papo e os negócios são postos em dia. A água, que brota em um oásis no centro da vila, é quente. Vem de fontes termais que descem das montanhas. Uma dessas montanhas ainda respira e é a responsável pelo cenário pedroso que toma a beira do lago. O vulcão Telek entrou em erupção a pouco mais de 200 anos, deixando suas larvas para o enfeite da paisagem.

 

 

O vento arrasta, a terra é árida, o sol é equatorial. E para os turkana, as condições físicas do ambiente não parecem passar de pequenos desafios cotidianos. Suas casas ovaladas, dotadas de tecnologia tradicional, cortam o vento incômodo, formando interiores quentes com pequenos espaços para dar boas vindas somente às brisas, que refrescam a temperatura do corpo. Para levantar as construções são utilizadas folhas de coqueiro Dum e da árvore salvadora pacica. O teto é forrado com sacos de comida e coberto por palhas. A cobertura é cheia de furos e quando chove, a palha se estende, tampando qualquer buraco. As 1500 pessoas de Loyangalani vivem em vida comunitária. Uma festa é para todos, um velório também. Não há celebração de aniversário, porque para eles não faz sentido uma comemoração individual e afinal sobram casamentos, rituais de passagem e outros festejos.

 

 

O visual de um turkana também é marcante. Os homens levam na cabeça um chapéu estilo Robin Hood: verde musgo, redondo e com penas apontadas para cima, cujas cores indicam a faixa etária de quem o usa. Crianças e mulheres têm o cabelo raspado nas laterais e o tufo que sobra no centro da cabeça é curto e em tranças, que caem sobre a testa e sobre as partes descobertas. As linhas dos longos colares utilizados pelas mulheres são vermelhas, amarelas e laranjas. Algumas poucas usam exclusivamente o verde e azul: são aquelas que vêm de uma linhagem de feitiçaria. São curandeiras por herança familiar, já nascendo com os poderes. Um único fio na vertical amarra todos os outros colares, dando um aspecto maciço aos enfeites. Há também um colar ‘sobretudo’, que tampa o espaço deixado pela última volta. Na orelha usam brincos de metal que lembra a prata. As argolas atravessam o lóbulo e quando o formato é de folhas a joia fica pendurada na parte de cima da orelha, este último é o sinal de casada. O casamento turkana é curioso. O homem tem que sequestrar a noiva, para depois negociar os valores da lobola. Para então, sobre o sempre estrelado céu do lago, a festa ser celebrada.

 

 

Os El Molo
Sob o mesmo céu de frequentes estrelas cadentes, um pouco mais ao norte, vivem as 1500 pessoas que formam a comunidade El Molo. Para eles, o contato com o lago Turkana é sagrado e por isso se instalaram a alguns poucos metros dele. Os que não moram em ilhas, moram em um estreito fio de terra que avança para o lago. A península, que por sua vez, há 30 anos também era uma ilha, abriga hoje 400 pessoas e é onde está a maior concentração dos El Molo. Vivem exclusivamente da pesca. A refeição diária é o peixe, sobretudo, a tilápia. Mas para ocasiões especiais, obtém autorização do governo para a caça de animais selvagens como o hipopótamo, tartaruga e crocodilo. Este último, o maior inimigo da população. O lago Turkana contém a maior concentração da espécie no mundo. Assim sendo, os pescadores desenvolveram técnicas especiais para afastar os animais da zona de trabalho: espalham iscas uma temporada antes. Os crocodilos, que se machucam constantemente com elas, acabam se afastando temporariamente da região, abrindo espaço para a pesca. A ideia fica mais clara na divisão da ilha: se do lado sul, onde estão os pescadores, as crianças brincam e se jogam na água, o lado norte é marcado por um deserto humano, onde ninguém ousa se aproximar.

 

 

Por causa da água alcalina, a sensação de mergulhar no lago é a de se jogar em um banho de sabão. O corpo fica escorregadio e liso. E pelo mesmo motivo, a água acaba deixando o dente dos habitantes levemente amarronzado. Algumas bocas ainda são marcadas pela falta dos dois dentes frontais inferiores, aparência que faz parte do gosto estético do grupo. Já para as crianças, só há um adorno: uma semente de búzio pendurada por um fio de cabelo na testa: é um sinal de luto, outra criança na família morreu. Entre as principais celebrações do povo El Molo, está a ‘Transição de idades’. São duas grandes passagens: na primeira, o jovem se torna um guerreiro. Na segunda, um adulto, momento em que é chamado a fazer parte das reuniões da comunidade. Na verdade, não há idade certa para atender aos rituais. Eles acontecem de tempos em tempos, com intervalos de até 15 anos. Algumas vezes, é durante a ‘Transição de Idade’ em que é definido de qual clã o cidadão fará parte. São sete as opções, sendo quatro delas sagradas, cada uma com seu respectivo templo nas ilhas do lago: os protetores, os curandeiros, os que cultuam pela fertilidade e os caçadores. Para fazer parte deste último é preciso ter vencido um hipopótamo. O guerreiro que consegue, carrega com orgulho para o resto da vida um brinco feito com o dente do animal, enfeite mais comum de ser encontrado nos anciões, figuras centrais da comunidade.

 

 

Os Rendille

Deixando para trás a água azul-turquesa do lago e rumando para o interior da paisagem árida que o cerca, começam a ser vistos os primeiros Rendille. Caracterizados pela vida seminômade, conhecem melhor do que ninguém as terras secas do norte do Quênia e por isso ganharam dos outros povos o apelido de ‘Andarilhos do Deserto’. São também os maiores especialistas na criação de camelos. O visual de um Rendille é chamativo e prende mais atenção pelo contraste do cenário marrom. Os homens usam panos da cintura para baixo chamados shukas, muitas vezes da cor rosa choque. Os guerreiros são conhecidos como Moran. O cabelo é trançado, pintado com ocre e preso por uma rede. Alguns têm o rosto tracejado de vermelho pintado com ocre, uma celebração para a lua, que representa a mais importante divindade Rendille. A cabeça leva um chapéu de penas e o corpo é inteiro enfeitado: pescoço, busto, pulsos e tornozelos rodeados pelos adornos de miçanga. O mesmo vale para as mulheres, que ainda levam uma grossa tiara na testa. A diferença de seus colares para outros grupos é o tom vermelho predominante e o comprimento, muito mais longo.

 

 

Os Rendille, de modo geral, estão espalhados pelo deserto de Kaisut, mas na pequena vila de – Ngurunit concentram-se alguns dos que abandonaram a vida seminômade ou dos que estão apenas de passagem. Ali, morans andam com suas varas, seus martelos de pontas arredondadas e facões, normalmente guardados em estruturas bem enfeitadas com pedras coloridas. Outros sentam tranquilos nos troncos de árvores ou nos pequenos bancos talhados em madeira que carregam para cima e para baixo. No fim da principal, e talvez única, rua da vila algo chama a atenção de uma dezena de guerreiros, que se aglomeram em volta da novidade. Ao chegar mais perto, percebe-se que um deles tem um celular na mão, acessório já comum pelas bandas. Assistem concentrados a um vídeo de duas mulheres Rendille cantando e performando uma importante cerimônia tradicional. Uma cena que chapa, que expõe a força de uma cultura que atravessa tecnologias, as abraçando não para quebrar tradições ou para se aculturar, mas única e exclusivamente, para se perpetuar no turbilhão da era contemporânea.

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