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QuêniaA arte que não pertence às galerias
Texto e Fotos: Flora Pereira da Silva
Arte: Natan Aquino

 

‘Eu desço aqui’, assinala um dos passageiros para o motorista da matatu, espécie de van que abastece o transporte público da cidade. Com ele, descem mais três pessoas e começam a caminhar pelas ruas da favela Korogocho. A primeira do caminho é a mais larga, é também a do comércio, com barracas de ponta a ponta que vendem comida, roupas, sapatos, eletrônicos e qualquer outro utensílio que você precisar. Da avenida principal, cruzam outras menos largas. Vielas não são tantas. É domingo e por isso as ruas estão movimentadas. Os quatro jovens vão abrindo caminho em meio à multidão, disputando espaço com bicicletas, motos, carros e até um ou outro pequeno caminhão. Além do normal burburinho de fim de tarde e semana, é época pré-eleitoral e os comícios políticos estão a mil fazendo propaganda.

 

 

Quinze minutos de caminhada, cumprimentando os conhecidos, e eles chegam a um espaço aberto, de lá seus 50 metros quadrados, onde outras três pessoas os esperavam. ‘Tudo pronto?’, pergunta um deles. E no que o outro afirma que sim com a cabeça, o grupo se divide. Uma parte começa a organizar um concurso de dança entre as crianças do bairro, enquanto a outra começa a montar uma tela inflável. O concurso é um pretexto que serve para aglomerar e juntar o público. E durante o ‘processo seletivo’ dos vencedores, a organização cria intervalos convidando as pessoas ao microfone e pedindo que estas deem suas opiniões sobre o contexto das eleições no país. Na brincadeira, mais de 200 pessoas se aproximam e a parte séria começa: a projeção de um documentário que traz uma reflexão sobre as violências étnicas que tomaram o país após a última eleição presidencial, em 2007. Depois do filme, segue-se um debate com a população do bairro: o que queremos para o Quênia agora?

 

 

O evento é uma das frentes de luta do Pawa 254, um coletivo que procura alcançar mudanças sociais por meio da inovação e das artes visuais. O hub junta artistas, jornalistas e ativistas sociais em um só espaço, para pensar como fomentar e catalisar a criatividade em projetos liderados pelas próprias comunidades. Artes visuais e gráficas, jornalismo independente, documentário, fotografia, mídias sociais e digitais como um meio de expressão cívica e de ação social. Pawa254 é um símbolo de força e unidade nacional, enquanto 254 é o código do país, pawa significa ‘poder’ em suaíli, a língua local. ‘Projeções nas favelas’ é apenas uma das atividades organizadas no hub, que visa, sobretudo, promover um espaço flexível para encontros colaborativos, se tratando da primeira organização de co-work da África. Exercícios de fotografia com adolescentes mulheres, treinamento de jornalismo para crianças da favela, trabalhos de facilitação de liderança, workshops para crianças sobre ativismo político e trabalho social e outras mil atividades que pensam o empoderamento do jovem através de projetos tangíveis e espaços e recursos acessíveis a comunidades desfavorecidas.

 

 

No QG do coletivo, as atividades não param. Trabalham sete dias por semana e a impressão é que também varam a noite por lá. Cada dia é uma pessoa diferente que atende a porta. Sempre com pressa, em meio alguma atividade ou reunião que está bombando no momento. O espaço, que é verde, vermelho e branco, as cores do logo do Pawa, é enfeitado por graffitis de figuras centrais da luta social e suas frases inspiradoras. Em cada sala, um mundo diferente acontecendo: no sofá do fundo, uma estrangeira que veio passar suas férias colaborando com o coletivo está recebendo updates dos projetos, na sala de reuniões dois fotógrafos estão planejando as atividades comunitárias do próximo final de semana, na sala seguinte, duas entrevistas, nas mesas centrais ‘pawanos’ se concentram em seus laptops e no pequeno palco, 50 crianças sentadas ouvindo uma palestra sobre ativismo político. Ao agito, acumula-se uma reforma e a pintura de um novo graffiti: estão ampliando, com razão, o espaço.

 

 

O fundador do hub, o fotojornalista Boniface Mwangi, conta que as pessoas envolvidas no Pawa são das próprias comunidades: “Fora os que trabalham aqui, que já são 99% de origem das favelas, todo o resto do trabalho é feito diretamente com as comunidades onde atuamos”, contabiliza o mais reconhecido ativista visual do país. Mwangi explica que as pessoas se envolvem desde o momento de desenhar os materiais e preparar as atividades até a mobilização dos participantes. “Nós trabalhamos para que eles realmente usem suas vozes. As pessoas têm uma boca, duas pernas e dois braços, mas nunca as usam realmente. Estamos trabalhando nas comunidades mostrando como eles podem usar suas vozes e se organizarem, mostrando que a solução para os seus problemas não vai vir de fora, mas vai vir deles. Nosso coração e futuro estão nas raízes das comunidades” – completa Mwangi, que até 2015 pretende ter mobilizado mais de 10 mil jovens com os programas do coletivo.

 

 

Foi de um projeto profissional de Boniface, o Picha Mtaani, premiado nacional e internacionalmente, que nasceu o Pawa. Para ajudar a curar a nação da crise da pós-eleição e direcionar o problema à causa, o fotojornalista que havia registrado com zoom os acontecimentos, resolveu não arquivar o seu trabalho e o transformou em uma exibição itinerante, que trazia a fotografia diretamente aonde ela tinha sido tirada, provocando uma discussão para a construção da paz e para movimentos de reconciliação dentro das comunidades. A exibição viajou por todo o país, alcançando centenas de milhares de pessoas em seus primeiros dois anos. Pawa 254 é a continuação da criação de lideranças que promovam a paz através de iniciativas artísticas e criativas.

 

 

Em sua sala, uma ilustração do Che, outra de Obama (lembrando sua origem queniana), um mapa detalhado de seu país e muitos cartazes de iniciativas africanas como a sua. Na mesa, a sua máquina fotográfica com ar de quem acabou de ser usada. A cada cinco minutos, alguém entra na sala para alguma informação de última hora. Entre as pausas, ele lembra: “Eu não acredito que nossos precursores lutaram contra o colonialismo para que a gente possa gozar do facebook e twitter. Como beneficiário dessa liberdade e desse espaço democrático, eu acredito que tenho que continuar lutando. O Pawa 254 é uma tentativa de unir as pessoas que estão tentando mudar a realidade deste país. Fazer a revolução social pelo ativismo das artes visuais. Nosso trabalho não pertence às galerias, pertence às ruas, ao povo”. O cansaço de Boniface é transparente. Como muitos, ele também é pai e marido, mas apesar do fim do dia, ainda não conseguiu voltar para casa. Está fazendo os últimos preparativos para um protesto político. Amanhã vão às ruas alarmar o mundo sobre o aumento dos salários dos parlamentares.

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