Arte: Natan Aquino
Na corrida para se tornar a capital mais criativa do continente, cresce em Dakar, uma iniciativa coletiva que promove a arte contemporânea e cria um itinerário artístico de descobertas, explorando novos e velhos espaços culturais da cidade. Partcours é o nome dado ao festival que oferece um percurso de exposições, encontros e compartilhamentos em 18 galerias locais, cada uma trazendo uma exibição do que há de mais novo no mundo da arte visual do país.
São 11 dias em o que melhor das artes plásticas, gráficas, audiovisuais e digitais fica espalhado pelas galerias da cidade, formando um labirinto que exalta a potencialidade e cria um momento de reconhecimento da família artística dakaroise (nome local dado aos habitantes de Dakar). O festival está apenas na sua segunda edição, mas já se consagrou como um evento imperdível da agenda nacional, mobilizando e canalizando toda a energia de profissionais, amadores, iniciantes, entusiastas e apaixonados da área em um mapping das portas abertas para o mundo da arte na capital do Senegal.
Mauro Peroni, coordenador do programa, explica que Partcours é o resultado do ativismo de atores culturais para manter a vida dos espaços que trabalham e para criar ambientes de liberdade e de reflexão. Para ele, as 18 vernissages instaladas na cidade oferecem plataformas de mudança e de convergência de ideias, que juntas compõem a “vocação evolutiva da arte na cidade”. Peroni ainda ressalta que entre os importantes aspectos do evento está a criação de um tempo determinado para que a sociedade interessada possa vivenciar o que não teve tempo durante o resto do ano: a arte senegalesa em toda a sua diversidade e multiplicidade de portas.
Situada no coração da Medina, um dos bairros mais populares de Dakar, a casa Douta Seck traz uma das atrações mais interessantes do programa: a Exposição Internacional da Música Negra no Mundo. Interativa, de curadoria moderna, a mostra está instalada em uma plataforma itinerante, projetada e construída exclusivamente para abrigar a exposição multimídia, que traz a história de um mundo que pertence à África, à América e a toda diáspora africana: a história da epopeia da música negra. E tudo para lá de interativo. O visitante com o tablet e fone de ouvido que recebe na entrada, vai comandando a sua visita, interagindo com cada uma das instalações.
A cenografia da exposição é marcante. Articulada em seis ambientes, o percurso começa com uma sala de totens onde são consagrados os principais nomes da música negra no mundo, seguindo para uma sala africana, onde o visitante pode escolher entre as 18 opções de curtas que explicam a história da música em cada região do continente. A interatividade é ainda maior nos ambientes seguintes: uma sala sensitiva da diáspora, uma linha do tempo da história do continente e uma sala de televisões com a história de cada ritmo contemporâneo originado na África. Para finalizar, é possível viver a experiência de DJ com uma mesa de som à disposição do público, ou então brincar de arte multimídia, com uma televisão sensível ao toque em que é possível simular a criação de notas musicais através da pintura de um graffite.
O sistema, que varia do lúdico ao educativo explorando músicas ancestrais ou contemporâneas, mostra que a música negra é planetária, transcendendo qualquer concepção de etnia ou nação. Samba, ska, reggae, hiphop, jazz, salsa, blues, gospel e mais uma constelação de riquezas musicais carregam a alma do continente africano. A exposição evidencia que a música negra forma um espaço transnacional que está em constante transformação, se consagrando como a essência da modernidade ocidental e o coração do renascimento africano.
Outro destaque do Festival Partcours está na galeria Le Manège, onde está exposta uma coleção de quadros e instalações do artista plástico Omar Ba, sendo parte dela criada in loco como experiência de uma residência. Suas obras, pintadas sobre chapas de papelão e centradas em torno de figuras isoladas e padronizadas, denunciam aspectos da fome, da guerra, de abusos e das crises de identidade, sobretudo da identidade africana. Através da iconografia quase alegórica, Ba trabalha de forma perturbadora com temáticas sociais, políticas e culturais, criando personagens elaborados, folclóricos, e por vezes quase mitológicos. Com um quê que mistura traços étnicos com pós-modernismo, suas telas trazem as novas tecnologias e a cultura do “agora” para a mesa de debate.
Outra artista que joga com versões da realidade é a fotógrafa Beatrix Jourdan, exposta na galeria Agora. Para ela, o conceito de fotografia não é apenas uma reprodução fiel da realidade, mas também um jeito de revelar emoções entre o fotógrafo e o espectador, sendo a câmera apenas uma ferramenta catalisadora do desenvolvimento e da reprodução de sentimentos. Brincando com um filtro mágico, ela encontra beleza em todas as suas escolhas de foco e as ressalta na sua contrastante pós-edição.
Esculturas e gravuras de Nathaniel Mokgos e as montagens de Sébastien Bouchar também estão no programa do festival e tem mais uma miríade de opções que traduzem a inventividade contemporânea do país. Partcours, com sua rota cultural, vem para mostrar que as artes plásticas não se limitam à bienal de arte sediada na cidade, e que um espaço intelectual de discussão e crescimento compartilhado está florescendo nas ruas e galerias dakaroises. Um convite senegalês para experimentar a criatividade!
“In the whole world
There are billion boys and girls
Who are young, gifted and black,
And that’s a fact!”
Nina Simone