Arte: Natan Aquino
Casamance, região do sul do Senegal, é um território de valores íntimos, iluminado por sua riqueza cultural e pela vivacidade de suas tradições. A capital Ziguinchor foi, no século XVII, um grande centro de comércio português e ainda preserva alguns prédios da arquitetura colonial. A fauna local é distinguida pela grande diversidade de aves, que se destacam no cenário que mistura mangues e baobás. Mas não é a arquitetura ou a natureza que prevalecem como símbolo da região. Encaixada entre Gâmbia e Guiné-Bissau e dividida pelo rio homônimo, Casamance é marcada pela preservação das mais antigas culturas, sendo o atual coração de grandes reinos. É ali que se encontra o País Diola.
A origem do povo Diola é pouco conhecida, uma vez que a história da comunidade é considerada confidencial, conservada a sete chaves pelos seus guardiões, que fazem questão de preservar a tradição em segredo. A sociedade ocupa a região da Baixa Casamance, território que abrange toda parte sul do rio, e é conhecida e respeitada por ter conseguido fazer prevalecer sua estrutura fundamental, perpetuar antigas normas e manter vivos os numerosos costumes locais. Em um país onde 95% da população incorporou o islamismo ou o cristianismo como principal crença, a cultura Diola é marcada pela salvaguarda do animismo e suas tradições e crenças endógenas do continente africano.
O rei fica instalado no vilarejo de Oussoye e desempenha papéis econômicos, sociais e religiosos na sociedade Diola. Entre suas funções principais está a justiça, sendo o encarregado de solucionar intrigas e problemas sociais, aconselhando os envolvidos e podendo até punir os responsáveis. Ainda, dono de grandes terras de arroz, o Rei Sibulumbaï Diédhiou explica que ele é incumbido de empregar em seu cultivo parte da população e que o arroz colhido deve ser divido entre as comunidades. Ele enfatiza ainda que as terras pertencem àquele que ocupa o cargo e não ao indivíduo e por isso devem ser utilizados em função do povo.
“Quando um rei está bem é porque a população está bem. É um círculo vicioso”, aponta o Diédhiou ao comentar que um rei pode perder o cargo se a população estiver insatisfeita. Ele ainda explica que na cultura Diola o reinado não funciona como uma dinastia e que quando um líder morre ou é deposto, existem três famílias que possuem o poder de decidir o novo encarregado. “Outro membro da família do antigo até pode ser escolhido, mas nunca o filho”, deixa claro o líder, que faz questões de receber os visitantes, sejam turistas ou não. Sibulumbaï Diédhiou acredita que é essencial esclarecer as dúvidas da população sobre seu reinado e sobre as tradições Diola. E para não deixar mal entendidos, prefere ele mesmo responder aos questionamentos.
As três famílias, além da escolha do rei, possuem outras importantes funções na sociedade, como a guarda de alguns espíritos. Pierre Diatta faz parte de uma delas. É um grande conhecedor das histórias e tradições de sua cultura, qualidade exigida pela família. Ele explica que apesar da incidência no país ser o oposto, na região de Casamance 90% da população é considerada animista. “Mas são apenas números. Na verdade, toda população do Senegal carrega seus valores tradicionais e a maioria ainda participa dos rituais mais importantes. O que existe na África não é um ou outro, mas sim um forte sincretismo religioso. A diferença aqui em Casamance é que somos exclusivamente animistas”.
Os animistas Diola acreditam que a energia cósmica, também conhecida como energia vital, mora em todas as coisas, sejam animais ou materiais. Acreditam também na existência de inúmeros espíritos, conhecidos como boekin, que moram e transitam pelas casas, vilarejos, plantações de arroz e bosques. Os intermediários da conexão entre os humanos e os boekin são os Oeyi, influentes figuras do domínio espiritual que junto ao rei, são responsáveis por definirem as obrigações e deveres dos cidadãos, por manter a ordem e a moral e, antes de tudo, por manter a paz. A conexão com os espíritos pode acontecer de diferentes formas: em rituais sagrados, em cerimônias tradicionais ou grandes comemorações.
Pierre Diatta explica que cada espírito tem o seu lugar e cada um é responsável por uma função específica na sociedade. “Tem o boekin da floresta, tem o da família que fica no fundo da casa, tem o boekin da fecundidade que é exclusivo das mulheres etc. Os maiores e mais importantes são protegidos e guardados por uma das três famílias”. O responsável por guardar o principal boekin de Oussoye é o pai de Pierre. Nas cerimônias de conexão, ele obrigatoriamente deve estar presente, escutando todos que buscam a ajuda do boekin. “Os pedidos são na maioria das vezes relacionados à saúde, fertilidade, bons estudos, justiça, proteção e trabalho, podendo ser tanto um problema pessoal e individual quanto um social”, completa o filho.
Normalmente na cerimônia é trazido como oferenda ao boekin galinhas, cabra ou porco e vinho de palma, suco da palmeira que chega a ter 4 a 5% de teor alcoólico quando fermentado por mais de dois dias. Alguns espíritos aparecem mais constantemente, outros são mais raros e alguns só aparecem no principal evento da cultura Diola, o Boukout, um ritual de passagem realizado no bosque sagrado, que marca a saída da adolescência para idade adulta. Quando é o período da cerimônia, todos os jovens não iniciados são encaminhados para o bosque, onde passam semanas ou meses.
No entanto, não há periodicidade certa para a realização do Boukout, que pode demorar até 30 anos para acontecer. E quando esse é o caso, os não iniciados, mesmo os mais velhos, não podem nem casar e nem ter filhos, pois são vistos pela sociedade como adolescentes. O que acontece no bosque sagrado é outro segredo guardado a sete chaves. “O que se passa lá a gente não pode contar, mas posso dizer que é uma experiência, sobretudo de educação, trabalho e ética”, explica Pierre. Formando a estrutura da sociedade e movendo o motor cultural da região, bosques sagrados, boekin, reinados e costumes históricos fazem do país Diola uma das principais e mais ricas tradições da África Ocidental.