“Iká kò dógbà” – Os dedos não são iguais.
(provérbio africano fundamental para o entendimento e respeito às diferenças)
Vida reclusa, cercada pelas montanhas do Quênia e um espírito ‘afro ardente’, estes são alguns dos elementos que permearam a infância de Ng’endo Mukii, mulher, negra e africana. Ainda jovem, a queniana deixou seu berço de infância para alçar novos voos e mergulhar fundo na explosão tecnológica que tomava o mundo junto com a chegada do ano 2000. Graduada em design, Mukii, que desejava se tornar ilustradora, faz toda a produção de seus filmes, cria o enredo das histórias, desenha e se responsabiliza também pela criação das ilustrações.
Sua obra é inspirada no instinto. A artista determina o ritmo e a forma de exploração de acordo com as próprias sensações. O grande destaque do rico repertório desta jovem é o premiado “Yellow Fever”, que representa bem a intenção da queniana de difundir o protagonismo africano por meio de discussões fundamentais. Inicialmente um “simples” projeto de graduação para o Royal College of Arte de Londres, a animação de cerca de sete minutos apresenta de maneira direta os efeitos de uma estética fincada em padrões que diferem e muito da rotina dos africanos, especialmente de mulheres e crianças.
Combinando desenho à mão, animação digital, movimentos modernos e cores vibrantes, o curta apresenta os males oriundos dos ideais de beleza eurocentristas, há tempos perpetuados por propagandas publicitárias e pela grande mídia na vida das mulheres de África. De maneira direta e prática, Mukii representa o ambiente de um salão de beleza, que com seus quadros e produtos seduzem os que buscam (muitas vezes inconscientemente) a semelhança com os brancos europeus, estes que monopolizam propagandas nos mais diversos meios de comunicação. Em cena, um grupo de quenianas que não mede esforços e riscos para deixar a pele mais branca e o cabelo mais liso possível. Para a pele, muitas recorrem aos perigosos produtos de clareamento, que no Quênia são chamados de mkorogo.
Fascinada por tudo que cerca as discussões de pele e raça, Ng’endo emociona e faz o espectador refletir quando a personagem (inspirada em sua sobrinha) explica o desconforto que sente com a pele escura ao olhar seu reflexo no espelho. “Me interesso pelo conceito de pele e raça e o que eles implicam nas ideias e teorias formadas ao longo do tempo. Os ideais de beleza se globalizaram e distorceram a autoimagem das pessoas,” explica em entrevista ao portal Okay Africa.
Em “Yellow Fever”, a queniana realiza entrevistas e memórias para mostrar ao público o quão prejudicial se torna este processo esquizofrênico que faz parte do crescimento de boa parte dos africanos, inclusive ela. A cineasta também evidencia a importância da representatividade nos meios de comunicação. O trabalho de Ng’endo Mukii é fundamental para a compreensão dos efeitos negativos exercidos por um padrão de beleza que não se atenta para as diferenças, sejam elas étnicas ou culturais.
Saiba mais sobre a cineasta: facebook.com/NgendoMukii