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Brasil / África

Vozes femininas africanas na Flink Sampa Afroétnica
por Estefânia Lopes

 

Carolina Maria de Jesus, foi homenageada com instalações e apresentação de vídeos e debates sobre sua obra.

 

 

Anualmente a Semana da Consciência Negra em São Paulo é celebrada com diversos eventos pela cidade, entre eles a Flink Sampa, Festa de Literatura, Conhecimento e Cultura Negra, que presenteia a cada edição o público paulista com uma rica Feira de Livros e diversas atividades voltadas à cultura negra.

 

 

Em 2014, a Flink chegou com mérito à sua segunda edição, tendo como homenageada principal a escritora Carolina de Jesus. Para José Vicente, reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, uma das instituições organizadoras do evento, o objetivo é fazer com que todas as atividades se tornem interligadas tendo a cultura e a educação como fio condutor. “Vamos apresentar as ações e expectativas de uma classe média negra consolidada intelectualmente”, explica o sociólogo.

 

 

Durante o evento, que aconteceu no Memorial da América Latina entre 22 e 23 de novembro de 2014, o público, ao chegar pela entrada principal, passava por uma cortina de fitas coloridas, lembrando as prendas do Senhor do Bonfim, e recebia as fitinhas com o detalhe da seguinte frase: “Assim como as palavras, as pessoas que escrevem não podem ser apagadas. – Sou Carolina M.J.”

 

 

A patrona da Flink 2014, Carolina Maria de Jesus, foi homenageada com instalações e apresentação de vídeos e debates sobre sua obra. A trajetória da escritora brasileira, de origem muito simples, catadora de papel e moradora de favela é registrada em seus livros, como a primeira publicação do diário: Quarto de Despejo (1960), seguido de Casa de Alvenaria (1961), Pedaços de Fome e Provérbios, ambos de 1963.

 

 

 

Entrada Flink Sampa (Foto: Divulgação)

 

 

Entre os destaques da programação multicultural, dois momentos marcantes de vozes femininas africanas. O primeiro foi mesa “África e Brasil – A Literatura Como Missão e Diálogo” contou com a presença de escritoras como a moçambicana Paulina Chiziane, a angolana Isabel Ferreira e a cabo-verdiana Vera Duarte Pina. O segundo, tratou-se do encerramento do evento com a presença da ativista moçambicana Graça Machel.

 

 

Três vozes literárias africanas femininas

 

 

Conhecida como a primeira mulher moçambicana a publicar um romance, Paulina Chiziane iniciou sua apresentação com o seguinte provérbio: “Se não sabes para onde vais, pare e olha para trás, pelo menos saberás de onde vens”, ressaltando a importância dos novos escritores africanos olharem o caminho seguido pelos antepassados e assim aprenderem com eles. E porquê? De acordo com a escritora moçambicana, nunca ouvimos a voz da África.

 

 

“Mas, quem é a mãe África?”, pergunta Chiziane. Segundo a escritora, para que a literatura possa responder a essa questão é preciso que as novas gerações reflitam sobre quem são e de onde vieram. Como fez o escritor moçambicano José Craveirinha em sua obra poética, ao se voltar para os problemas do passado e buscar no presente um diálogo com o irmão (no caso, o Brasil) que está do outro lado do Atlântico, “a outra parte de mim que foi”.

 

 

Seu primeiro romance, Balada de Amor ao Vento, foi lançado em 1990. De lá pra cá já foram mais sete livros, entre os quais Ventos do Apocalipse (1995) e o mais recente Por Quem Vibram os Tambores do Além (2013). Chiziane disse identificar-se com Carolina de Jesus por ter sido uma escritora que, como ela, não saiu das academias, e sim, do seio das raízes populares.

 

 

 

Paulina Chiziane e prof. Uelinton (Foto: Divulgação)

 

 

A “contadora de histórias” moçambicana, como gosta de ser chamada, apresenta em seus livros uma África passada e presente em narrativas que falam das vivências de tempos difíceis, da esperança, do amor, da mulher. No entanto, não quer ver sua literatura enquadrada em nichos como do feminismo, nem de raça e nem de religião. Ela quer liberdade, e afirma: “O que escrevo é Humanidade e ponto”.

 

 

A cabo-verdiana Vera Duarte equilibra sua formação de jurista e ativista pelos Direitos Humanos com a criação literária como poetisa em A Manhã a Madrugada (1993), Exercícios Poéticos (2010), entre outros, e romancista, como em A Candidata, de 2003. Escreve a partir do interior das ilhas, traçando fios sobre a memória e a condição feminina. No encontro destacou a referência de escritores brasileiros na formação do sistema literário cabo-verdiano.

 

 

Para a escritora, a independência do Brasil reverberou positivamente nas antigas colônias lusófonas. A poesia de Castro Alves, Olavo Bilac, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, muitas vezes, aparece intertextualizada na literatura de Cabo Verde. E ainda segundo Vera Duarte, tanto a literatura como a música brasileira foram, e continuam sendo, interlocutoras de “relações outras, que não a da dor” entre os países de língua portuguesa.

 

 

 

Isabel Ferreira e Vera Duarte (Foto: Divulgação)

 

 

A cantora e escritora angolana Isabel Ferreira presenteou o público com a apresentação de uma linda canção e um poema, ambos, em quimbundo. Formada em Direito, chegou a advogar, mas sempre ligada à arte cursou a Escola Superior de Teatro e Cinema. Seu primeiro livro, Laços de Amor, foi publicado em 1995 primeiramente no Brasil e, depois desse reconhecimento, sua escrita alcançou solos angolanos.

 

 

A jovem autora compartilha do pensamento da “mama” Paulina Chiziane (como Isabel se referiu o tempo todo à escritora moçambicana, como demonstração de respeito e admiração) da importância de não ter pressa ao trilhar os caminhos da literatura. E encerrou com um provérbio que diz “se o ramo quer florir, devemos honrar as raízes”.

 

 

Outras vozes femininas

 

 

O evento foi encerrado com a palestra de Graça Machel, ativista pelos Direitos Humanos, reconhecida mundialmente. Lutou pela Independência de Moçambique, fazendo parte da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique), onde conheceu o primeiro marido Samora Machel, que veio a ser o primeiro presidente do país africano independente. Graça Machel tornou-se duas vezes primeira-dama. Viúva desde 1986, casa-se com Nelson Mandela, em 1998, então presidente da África do Sul.

 

 

A líder africana começou sua apresentação com três afirmações: “Sou negra, sou mulher e Zumbi dos Palmares é meu herói”. Para Graça Machel, Zumbi foi o precursor de todos os líderes das independências dos países de colônia portuguesa, assim como, de Nelson Mandela também. E disse considerar a Semana da Consciência Negra como uma “afirmação da identidade na diversidade”.

 

 

 

Graça Machel (Foto: Divulgação)

 

 

Com palavras otimistas chamou a atenção para que, a partir das próprias possibilidades, se torne possível o que parece impossível. Como ocorreu com o fim do colonialismo e do apartheid, quando os movimentos pela independência em África conseguiram libertar a si mesmos e ao resto da humanidade da vergonha dos atos de opressão. O caminho do presente é o de continuar lutando por meio da ação, com determinação e clareza, por uma sociedade com dignidade humana. Pois, “cada geração tem a sua responsabilidade histórica”.

 

 

Com curadoria certeira em que luta, afirmação, identidade e gênero se misturam em harmonia, a riqueza intelectual, artística e literária trazida pela Flink Sampa em 2014 é de deixar o público ansioso para os possíveis talentos que chegarão no evento deste ano. Que venha a Flink 2015!