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Peru / África

Victoria Santa Cruz, a força de uma voz afro-peruana
por Débora Armelin

 

 Victoria deixa sua mensagem de que é preciso sim absorver o que vem de forma negativa, mas transformá-lo em afirmação (Foto: Reprodução)

 

 

Tinha sete anos apenas,
apenas sete anos,
Que sete anos!
Não chegava nem a cinco!
De repente umas vozes na rua
me gritaram Negra!
Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra!
“Por acaso sou negra?” – me disse
SIM!
“Que coisa é ser negra?”
Negra!
E eu não sabia a triste verdade que aquilo escondia

(…)

 

 

Com uma voz forte e intensa, Victoria Eugenia Santa Cruz Gamarra declama seu poema “Gritaram-me nega” em referencia a experiência de preconceito vivida ainda criança dentro de um grupo de amigos que a expulsaram simplesmente por ser negra.

 

Foi a partir deste momento que a poeta, coreógrafa, estilista e folclorista afro-peruana passou a refletir sobre a importância do sofrimento, percebendo que certas injustiças poderiam até despertar ódio. Tais experiências fizeram com que ela se reconhecesse como negra, aumentando assim sua autoestima e fazendo com que descobrisse o prazer de viver de uma forma mais equilibrada. Victoria cresceu, consciente de sua negritude.

 

Nascida em La Vitoria, província de Lima, Peru, no ano de 1922, a arte e a cultura afro-peruana a rodeava. Seu pai, Nicomedes Santa Cruz Aparicio, foi um importante dramaturgo e poeta, e sua mãe, Victoria Gamarra, bailarina de marinera (dança típica do Peru que une raízes culturais indígenas, africanas e espanholas) e filha de um famoso ator.

 

 

Aos 36 anos, Victoria cria o grupo Cumanana juntamente com seu irmão mais novo, o poeta, pesquisador e jornalista Nicomedes Santa Cruz Gamarra, um dos primeiros grupos teatrais inteiramente integrado por negros que tinha como intuito difundir as diversas vertentes da cultura afro-peruana. Deste projeto, posteriormente, foram lançados alguns discos contando um pouco da história deste povo e de suas manifestações artísticas.

 

 

Com a possibilidade de viajar a Paris para estudar na Universidade de Teatro das Nações e Escola Superior de Estudos Coreográficos, a poeta se destaca como figurinista, trabalhando em obras como “El retablo de Don Cristóbal”, de García Lorca e em “La Rosa de Papel”, de Ramón Del Valle Inclán.

 

 

 

 

 

Em seu retorno, funda a “Companhia Teatro e Danças Negras do Peru” fazendo apresentações nos melhores teatros e na televisão, chegando inclusive a representar seu país nos Jogos Olímpicos do México em 1968 com grande êxito e premiada por seu trabalho.

 

 

Victoria sempre se mostrou engajada em construir sua identidade negra utilizando o próprio corpo como suporte de resistência e afirmação, assim como também esteve envolvida na busca da valorização das tradições musicais e culturais negras no Peru. Em consequência de seu engajamento, a artista recebe, em 1970, o prêmio de melhor folclorista no primeiro Festival e Seminário Latino-americano de TV, organizado pela Universidade Católica do Chile.

 

 

Posteriormente, ela correu o mundo com sua companhia, especialmente nos tempos em que era diretora do Conjunto Nacional de Folclore do Instituto Nacional da Cultura. Victoria chegou a fazer turnês pelos Estados Unidos, El Salvador, França, Bélgica, Suíça, entre outros países.

 

 

Victoria Santa Cruz foi uma das poucas mulheres latino-americanas e negras a lecionar na requisitada Universidade Carnegie Mellon, Pensilvânia, nos Estados Unidos, entrando, à principio como professora convidada, mas anos depois alcança o cargo de professora vitalícia.

 

 

Em 2014, após muita dedicação ao estudo e à preservação da tradição afro-peruana, a artista veio a falecer aos 91 anos por conta de uma debilidade em sua saúde, mas deixou um legado forte e importantíssimo, sendo considerada como porta-voz de muitas mulheres negras que enfrentam a cada dia a ditadura do ideal de beleza branco.

 

 

Victoria deixa sua mensagem de que é preciso sim absorver o que vem de forma negativa, mas transforma-lo em afirmação, fortalecendo assim o ser como sujeito numa maior compreensão de si mesmo. É o renascer, é se esclarecer como negra pertencente a este mundo. Para a poeta, se todas as “diferentes” raças não perceberam que são uma só, jamais descobrirão o que é o homem!