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Brasil / África

Sobre africanidades em Emicida
por Estefânia Lopes

 

O rapper Emicida traz em sua nova produção musical uma bela homenagem à África. (Foto: Reprdução/Facebook) 

 

 

O rapper Emicida traz em sua nova produção musical uma bela homenagem à África, em especial, a dois países de língua portuguesa do continente: Angola e Cabo Verde. Parte da gravação do novo álbum: Sobre crianças, quadris, pesadelos e lições de casa, disponibilizado em agosto em lojas digitais e plataformas streaming, foi realizada em Luanda, capital angolana, e em Praia, capital caboverdiana. Esta viagem, realizada no começo de 2015 e registrada em documentário, resultou na construção criativa da música “Mufete”, que dá o tom desta experiência.

 

 

A música “Mufete” apresenta os musseques, bairros periféricos de Luanda, no refrão “Rangel, Viana, Golfo, Cazenga pois / Marçal, Sambizanga, Calemba dois”, como também o ritmo da “cintura das mina de Cabo Verde”. A homenagem aos países africanos com os quais o músico identifica-se, vem carregada de paixão e crítica. Como excelente observador do meio social, o rapper traduz em seus versos a alegria de pisar em terras de antepassados, ao mesmo tempo em que de forma crítica, evidencia os mecanismos de dominação no contato entre culturas, nos quais os países que se consideram superiores tentam impor a sua arte, ao contrário de fazer parte: “One Love, amor pro ‘ceis / Djavan me disse uma vez / Que a terra cantaria ao tocar meus pés / Tanta alegria fez brilhar minha tês / Arte é fazer parte, não ser dono”.

 

 

 

 O entrecruzamento entre crítica social e valorização da cultura negra, deixa claro sua posição contrária a imposição dos europeus. (Foto: Reprodução/Facebook) 

Emicida desconstrói estereótipos na elaboração de versos que alternam a negatividade do preconceito e da dominação, com elementos positivos ao reafirmar a identidade do povo negro, como diz a letra: “Nobreza mora em nós, não num trono / Logo, somos reis e rainhas, somos / Mesmo entre leis mesquinhas vamos / Gente só é feliz / Quem realmente sabe que a África não é um país / Esquece o que o livro diz, ele mente / Ligue a pele preta a um riso contente”.

 

 

A homenagem se estende aos ritos africanos nos versos: “Respeito sua fé sua cruz / Mas temos duzentos e cinquenta e seis odus / Todos feitos de sombra e luz, bela / Sensíveis como a luz das velas (tendeu?)”. Aqui, o rapper estabelece uma ligação com as raízes ancestrais, fortalecendo mais uma vez a identidade afro-brasileira, ao mesmo tempo em que dá o exemplo da possibilidade de convívio entre diferentes crenças.

 

 

Angola e Cabo Verde foram colônias de Portugal e falam português assim como o Brasil. Porém, lá o português convive nas ruas com outras línguas locais. Como é o caso do crioulo em Cabo Verde e do quimbundo, bastante presente em Luanda, capital de Angola. Ao dar o título de “Mufete” ao rap, Emicida marca o lugar de onde fala. Palavra de origem quimbunda, é um prato típico composto por peixe grelhado, acompanhado de molho apimentado. Heranças da culinária africana ficaram no Brasil, não há como negar.

 

 

 

Caetano Veloso, que já colabora com Emicida há algum tempo, participa da faixa ‘Baiana’.  (Foto: Reprodução/Facebook)

 

 

Já os locais homenageados no refrão, são os musseques de Luanda, bairros pobres periféricos, designados pela palavra em quimubundo que  significa: areia vermelha. São, nesse sentido, o contraponto dos bairros asfaltados. Nos versos: “Numa realidade que mói / Junta com uma saudade que é mansinha mas dói / Tanta desigualdade as favela, os boy / Atrás de um salário uma pá de super-herói”, Emicida faz uma aproximação com o mesmo processo de exclusão das “quebradas” brasileiras.

 

Na segunda parte da música elabora, mais uma vez, uma alternância de significados e épocas. O entrecruzamento entre crítica social e valorização da cultura negra, deixa claro sua posição contrária a imposição dos europeus no passado de dominação imperial, bem como, as conseqüências dessa intervenção no presente: “Louco tantos orfeus trancados / Nos contrato de quem criou o pecado / Dorme igual flor num gramado / E um vira-lata magrinho de aliado / Brusco pick o cantar de pneus / Dizem que o diabo veio nos barcos dos europeus / Desde então o povo esqueceu / Que entre os meus todo mundo era deus”.

 

 

A viagem foi ainda mais impactante do que ele imaginava como diz a letra: “Nem em sonho eu ia saber que / Cada lugar que eu pisasse daria um samba”, e a experiência deixou suas marcas no processo artístico de Emicida, como costuma ocorrer entre artistas brasileiros que buscam e encontram inspiração no intercâmbio entre África e Brasil. Em 1980, uma caravana de músicos sai do Brasil para Angola num movimento de apoio ao país recém-independente. Iniciativa que ficou conhecida como Projeto Kalunga, e que se afirmou como um dos grandes exemplos de trocas musicais transatlânticas.

 

Com apresentações em três cidades angolanas, a viagem gerou inspiração tanto para novas composições, como de gravações de compositores angolanos. A mais conhecida entre o público brasileiro é “Morena de Angola”, de Chico Buarque. Outro integrante da caravana foi o músico Djavan, que inclusive é citado nas primeiras frases de “Mufete”. Emicida enfim, não só teve a alegria de “ver a terra cantar” ao tocar seus pés e reescrever a experiência de gerações anteriores da MPB, como pôde viver a hospitalidade das terras africanas e sentir-se entre os seus: “Eu não sabia, mas eu tava em casa quando eu tava viajando”.

 

 

Quer ouvir e conhecer a letra de “Mufete”? Seguem os links:

Download gratuito da faixa: http://www.naturamusical.com.br/

Link: http://www.vagalume.com.br/emicida/mufete.html#ixzz3hbcEaWtt

Pra inscrever-se no canal oficial do Emicida http://bit.ly/EmicidaYT

 

 

Quer mais informações sobre o Projeto Kalunga?

http://museuafrodigitalrio.org/s2/?work=memoria-do-projeto-kalunga