Um dos continentes mais complexos do mundo, a África não pode ser resumida e tampouco tratada como uma coisa só. Com 54 países, a região que deu origem a raça humana possui uma diversidade cultural e étnica encontrada em poucos cantos do planeta. Para ilustrar este conceito basta tentar definir em uma tacada o que é a cultura do Brasil, que assim como a África também foi colonizado e recebeu as mais variadas influências.
Para manter distância dos estereótipos é preciso primeiro entender o conceito e toda a amplitude da palavra cultura. De acordo com a sociologia, cultura é tudo aquilo que resulta da criação humana, ideias, costumes, leis, crenças e conhecimentos adquiridos a partir do convívio social. Não existe cultura superior ou inferior, melhor e pior e sim culturas distintas. Ao entender este pensamento é possível compreender melhor a influência de África e toda a sua diversidade ao longo da história brasileira.
Visando evitar uma abordagem genérica e ao mesmo tempo superficial, a análise da presença africana no Brasil neste artigo se limitará ao samba. Apesar do gênero musical ter sido criado e estabelecido em terras brasilis, a palavra é derivada do nome africano semba, um dos estilos musicais mais populares de Angola e que em quimbundo – uma das línguas do país, significa umbigada. O semba se caracteriza por movimentos que resultam no encontro do corpo do homem com o da mulher; o cavalheiro segura seu par pela cintura e puxa-a para si provocando um choque entre os dois, que resulta na umbigada. Contudo, não existe um consenso acerca de seu nascimento, já que uma outra vertente de pesquisadores afirma que a palavra é originária do umbundo, língua falada falada pelo grupo étnico Ovimbundos. Descendentes das populações bantu, eles chegaram à região no início do segundo milênio e ocupam hoje as faixas centrais e costeiras de Angola.
Pintura de Johann Moritz Rugendas representando o batuque no Brasil no século 19
Como pode-se perceber a origem africana pouco se assemelha com o que veio a se tornar o samba tupiniquim. Produto cem por centro brasileiro, a semente do gênero musical atravessou o Oceano Atlântico trazida por escravos em meados do século 19. Foi na Bahia, maior porta de entrada de africanos que chegavam ao então Brasil Colônia que o samba começou a tomar forma, o ritmo então chamado de batuque, maxixe, chula, entre outros nomes, simbolizava a dança. No centro de um círculo e ao som de palmas, um coro e objetos de percussão, o dançarino solista, sempre requebrando, dava umbigadas no companheiro o chamando para dançar e posteriormente sendo substituído pelo outro. Foi no Rio de Janeiro, considerado berço do ritmo mais popular do país que o samba tomou a forma atual.
O estilo foi levado ao Rio ainda no começo do século 20, trazido pelos migrantes baianos e lá encontrou um parceiro ideial: o carnaval. Iniciava-se ali um casamento perfeito e que deu muitos frutos para a nossa música popular. O primeiro samba de sucesso gravado no Brasil foi Pelo Telefone, em 1917, cantado por Bahiano e com letra escrita por Mauro de Almeida e Donga, marcou o início do reinado da canção carnavalesca. Posteriormente a composição foi regravada por Martinho da Vila, que deu uma nova roupagem para a melodia do começo do século. A faixa foi lançada em 1973 e fez parte do repertório do disco Origens.
Entretanto foi na década de 1930 que o estilo caiu de vez nas graças do povo. Um grupo de músicos comandados por Ismael Silva fundou, nas redondezas do bairro Estácio de Sá, a primeira escola de samba, Deixa Falar. Eles transformaram o gênero, dando lhe contornos modernos, inclusive introduzindo novos instrumentos, como o surdo e a cuíca, isso para que melhor se adequasse ao desfile de carnaval. Talvez o personagem mais importante nesta história seja Noel Rosa, que promoveu a união entre o samba do morro e o do asfalto, ou seja, as classes mais pobres dividiam com os mais favorecidos o encanto pelo estilo. Para isso, ele contou com o auxílio do rádio, que na época vivia um de seus momentos mais importantes e tocou sem parar o gênero para as famílias brasileiras. Uma das canções favoritas de todos era Com que Roupa?, um samba bem-humorado que sobrevive até os dias de hoje. Quem também contribui para este avanço foi o então presidente Getúlio Vargas, que chamava o samba de “música oficial do Brasil”. Com isso os grandes compositores como Dorival Caymmi, Adoniran Barbosa e Ary Barroso caíram de vez nas graças da população.
Ao longo do século 20 o samba se desenvolveu ainda mais e seguiu em diversas direções, do samba canção às baterias de escolas de samba. Um de seus estilos mais notáveis é a bossa nova, criada por membros da classe média carioca, dentre eles João Gilberto e Antônio Carlos Jobim. Estes músicos foram responsáveis, nos anos 1960, pelo resgate da obra de nomes como Nelson Cavaquinho, Zé Keti e Clementina de Jesus, o que fez com que o público descobrisse uma gama de artistas até então esquecidos. Durante o fim dos anos 1970 e toda a década seguinte uma enxurrada de novos artistas, como o próprio Martinho da Vila, Bezerra da Silva, Beth Carvalho e Clara Nunes dominavam as paradas de sucesso. Após um período de hiato – em função da música de discoteca e do rock nacional, o samba retornou com força nos anos 1980, encabeçado por Zeca Pagodinho, Almir Guineto, Fundo de Quintal, Jorge Aragão, Joveilna Pérola Negra, entre outros.
É fato que até os dias de hoje uma característica nunca mudou: as letras consideradas tristes e que acompanhadas de instrumentos de percussão (tambores, surdos e timbau), um violão e cavaquinho, seguem cantando a rotina das comunidades mais pobres, falando de amor, desilusões e exaltando a esperança, características notáveis da gente brasileira. Por ser tocado com força e alegria, o samba é tido como um lamento alegre do negro. Atualmente o samba é um dos gêneros mais tocados de Norte a Sul do Brasil e descreve como poucos a personalidade do nosso povo.
“Não deixe o samba morrer, não deixe o samba acabar. O morro foi feito de samba, de samba pra gente sambar.”