Contar a história do rock n’ roll da década de 1970 pelas lentes de uma Zâmbia que há pouco havia se tornado independente do Reino Unido, este é o principal objetivo do pesquisador e escritor criativo Calum MacNaughton, autor do projeto Zamrock, documentário que aborda como a juventude zambiana se apropriou de um estilo que dominou as paradas dos anos 1970 para encontrar sua identidade musical. Com influências do rock psicodélico de Jimi Hendrix e o funk agressivo de James Brown, o Zamrock criou sua própria identidade e formou a sonoridade musical de uma geração.
Nascido na África do Sul, MacNaughton estudou cinema na Universidade da Cidade do Cabo. Apaixonado por música, Calum já produziu outros documentários com o mesmo tema, como o Mama Goema, no qual uma variedade de artistas da Cidade do Cabo compartilham seus olhares sobre a diversidade cultural e sonora da região.
Em uma conversa descontraída com o Afreaka em Long Street, no coração da Cidade do Cabo, o diretor que havia retornado do Brasil há algumas semanas conta detalhes sobre o processo criativo de Zamrock e opina sobre como documentários dramáticos como Procurando por Sugar Man estão trazendo novos desafios para documentaristas ao redor do mundo.
Qual é a abordagem do documentário Zamrock? Ele é focado na exposição de algo que você descobriu e quer que a audiência saiba ou em um comentário sociopolítico?
Eu acho que o principal desejo de contar uma história é o cinematográfico. Eu acredito firmemente que um bom cinema é 50% uma experiência auditiva e eu sinto que o rock n’ roll em particular é capaz de promover uma maravilhosa experiência cinematográfica. Então, sou deixado com um desafio em relação à história que alguém gostaria de contar. As palhetas de cores com que estou trabalhando são intrinsecamente interessantes porque são a respeito de uma parte do mundo que muitas pessoas desconhecem. É um período do tempo sobre o qual muitos sentem nostalgia, os anos 1970, e eu sinto que as pessoas ao redor do mundo compartilham desta nostalgia sobre a era do rock. Eu quero contar a história daquela década através das lentes da Zâmbia, que naquele tempo era uma jovem nação.
Os adeptos deste movimento rock fazem parte da primeira geração da juventude do país. Eles estão procurando uma voz que eles acreditam representá-los. É também a voz que os permite engajar-se com o espírito global. O rock estava acontecendo pelo mundo todo naquele período, então os jovens zambianos queriam fazer parte daquilo. O que é particularmente interessante é que eles queriam ser parte daquela história em seus próprios termos, e isto significava pegar emprestado do que estava inchando criativamente ao redor do mundo e ao mesmo tempo inserindo um sabor zambiano bastante forte. Aquela mistura fez o som ser bastante único. Então existe um conto sociopolítico que corre pelo coração da história, mas que eu não acredito ser forte o suficiente para carregar o documentário. São as histórias das pessoas as que brilham.
Quando você está produzindo um documentário e pesquisando sobre as pessoas que entrevistará, você conhece muitas histórias de vida. Que elementos fazem um boa história?
Este eu acredito ser um grande desafio para documentários. As demandas do mercado são altas atualmente. Temos visto em anos recentes documentários como Procurando por Sugar Man que, por sua narrativa dramática, tornou bastante difícil para outras pessoas contarem uma história. Quero dizer, o jeito que a história se desenrola faz você embarcar na mesma jornada que qualquer peça de ficção seria capaz. E claro, fez bastante sucesso e ressonou entre muitas pessoas. Estamos trabalhando como documentaristas dentro de um cenário no qual as pessoas querem percorrer uma jornada que pareça com um ótimo livro ou ótimo filme de ficção. O primeiro desafio, claro, é achar estas histórias e o segundo desafio é contá-las bem e com convicção; usar todos os recursos disponíveis para que você possa fazer justiça àquela história.
A arte de contar histórias é uma forma artística e a história que você quer contar deve tocar as pessoas; não pode ficar no nível de só recontar informação. Eu acho que em um documentário, assim como em um filme de ficção, precisamos nos envolver emocionalmente com os personagens. Por exemplo, se é um filme sobre a Zâmbia dos anos 1970, o fato de que estamos lidando com a Zâmbia em um set particular de detalhes sociais e políticos que tornaram possível que a música rock existisse naquele país é de menos importância. É apenas um pano de fundo. Em meio a isso, nós ainda temos que achar uma história humana ressonante. Eu acredito que estas histórias são sempre encontradas em coisas como amizade, que estão sempre por trás de grandes histórias musicais. É como um impulso que faz as pessoas quererem se expressar criativamente. Isto se mantém verdadeiro para os personagens zambianos com os quais estou trabalhando. Estas pessoas estavam fazendo coisas que eram contra as normas da sociedade e eu acho que isso é um grande elemento para uma história convincente. Como eles encontraram neles mesmos a escolha de um caminho que não era necessariamente confortável comparado a outros tipos de caminhos que eles poderiam ter tomado? Todos estes fatores determinam se você é capaz de capturar o tipo de história certa. Em termos práticos, você precisa construir relacionamentos com as pessoas para que elas compartilhem estas histórias para as suas histórias.
Como você acha que essas influências rock encontraram seu caminho em um país africano bem após a independência da Zâmbia?
A Zâmbia, efetivamente, é uma nação africana sem saída para o mar. Eu acho que o rock inglês que estava chegando ao país provavelmente estava vindo da comunidade expatriada. Naquele tempo de independência o país tinha 200 mil europeus vivendo e trabalhando lá. A importação de discos do Reino Unido provavelmente estava acontecendo naquele período e eu acho que havia uma audiência para aquela música, não apenas entre expatriados europeus, mas também entre jovens zambianos. Parte disso, acredito eu, era só uma natural curiosidade sobre aquilo que estava acontecendo globalmente. Quero dizer, vamos encarar, é muito excitante escutar aquele tipo de música.
Naturalmente, a juventude zambiana queria participar desse som. No entanto, quando você conversa com alguns destes caras, é curioso, eles tendem a citar influências incomuns. Eles são familiares com discos de Cliff Richards, da mesma forma que curtem os discos do Black Sabbath. Parece que a forma com que os discos alcançaram a Zambia, eles não era necessariamente filtrados pelo gosto particular de ninguém. Existia uma absorção muito mente aberta do material que estava circulando. Eu acho que suas influências não eram limitadas ao que estava vindo do Reino Unido ou dos Estados Unidos, pois ela vinham principalmente do que estava rolando no Oeste africano, particularmente um grupo que eu acho que abriu a porta para aquilo que nos referimos hoje como Afro-rock, a banda Osibisa, formada em Londres no começo dos anos 1970 principalmente por músicos nascidos em Gana. Eu acredito que essa banda entendeu, naquele período, que para participar da música pop teriam que criar algo representativo e razoavelmente único, algo que falava de suas experiências como africanos, então eles efetivamente criaram um novo estilo de música. Os zambianos tomaram conhecimento do que o Osibisa estava fazendo e também queriam contribuir com o movimento. E foi exatamente o que eles fizeram.
Existe algo específico sobre a Zambia e sua cena musical que despertaram seu interesse em fazer este projeto? Ou é algo pessoal?
Um pouco dos dois. Eu acho que existe algo interessante sobre o rock da Zambia que eu simplesmente aprecio. Eu gosto dessa intersecção que parece caracteristicamente zambiana, de ser capaz de misturar poliritmos africanos e a sensibilidade do rock de um jeito que não soa artificial, mas sim muito natural e funciona. Nem todo rock zambiano faz isso, existe muita música que muitos descreveriam como derivada de estilos praticados por bandas ao redor do mundo naquele tempo. Zamrock é realmente um passo inicial para músicos zambianos para aquilo que vem nos anos 1980, que é um tipo de afro-pop.
Esse estilo era exclusivo da Zâmbia, ainda que tenha influências de outras partes da África, e tornou-se a primeira expressão pura de sensibilidade zambiana, mas precisava passar uma década descobrindo isso por meio do Zamrock. Eles usaram o rock como uma língua para descobrir como um som nacional realmente poderia soar. O Zamrock tem personalidade; tem a sensibilidade do punk e conta com pessoas confiantes em alcançar algo e tentar fazer dele algo seu. Carrega um tipo de espírito musical que eu acredito ser a razão pela qual muita gente gosta de rock n’ roll. Mas, você sabe o quê? Você poderia revirar muitas pedras musicais neste continente durante aquele período e construir um case do por quê a música é importante. Na verdade, você poderia fazer isso com qualquer país em qualquer parte do mundo, então estou começando a perceber que por mais que a Zâmbia seja parte chave desta história, ela é também apenas um espelho para o que está acontecendo globalmente nos anos 1970.
Você acha que a produção de documentários está mudando?
Estamos vendo muita hibridização tomando lugar no formato do documentário no momento. É muito claro que formas híbridas de contar histórias são onde os documentários orientados para o autor estão se dirigindo nos dias de hoje. É uma forma maravilhosa dos cineastas jogarem, pois o que você pode jogar em tal meio é tão amplo. As ferramentas são de fácil acesso e a forma em si não oferece grandes demandas, mesmo que a audiência esteja esperando histórias mais fortes.
Assista ao documentário Isso É Zamrock!! > Jagari & Rikki, com legendas em português: https://vimeo.com/143393681