Atualmente, com 94 anos, continua nos palcos cultuada como diva e recebendo justas homenagens conquistadas por ser uma mulher multifacetada e ímpar (Foto: Divulgação)
Em 13 de Abril de 1921 nasce no bairro de Botafogo, Rio de Janeiro, Ivone Lara da Costa. Filha de família humilde e musical, a mãe era D. Emerentina, cantora do Rancho Flor de Abacate, e o pai, João da Silva Lara, mecânico de bicicleta, violonista e componente do Bloco dos Africanos. Ela foi educada com rigor pelos pais, que como filosofia de vida, a ensinaram a respeitar os outros e cuidar daquilo que se ganha com esforço.
Sua educação musical, no entanto, começa no Colégio Municipal Orsina da Fonseca, um internato público conhecido na cidade pelo rigor e bons ensinamentos, com professoras de boa qualidade. Ivone estudou nesse internato dos 10 aos 16 anos de idade, de onde só saia a cada quinze dias, nos finais de semana, para visitar sua família. Já no colégio ganhou destaque no canto orfeônico, espécie de coral com as vozes mais afinadas. Ali, foi aluna de Zaíra de Oliveira, esposa do compositor Donga, e de Lucília Villa-Lobos, esposa do maestro Heitor Villa-Lobos que chegou a regê-la no Orfeão de Apinacás da Rádio Tupi.
Ivone, no entanto, mantinha suas origens, sempre conectada a família e mantendo contato frequente com seus irmãos e primos, entre eles o Mestre Fuleiro, que mais tarde seria o porta-voz dos sambas que ela compunha, na escola de samba Prazer da Serrinha, para apreciação dos bambas. Tal substituição seu deu pelo forte preconceito existente (e que ainda existe) contra mulheres sambistas, em um ambiente considerado como um reduto machista.
Quando sua mãe morreu, passou a morar com tios, com quem aprendeu a tocar cavaquinho, e manteve intenso contato com samba e chorinho em reuniões em que participavam Pixinguinha e Jacob do Bandolim. Gostava de rodas de samba, de blocos, as pastorinhas, de jongo e pagodes. Unindo sua formação musical, com forte união entre o popular e o erudito, os recursos e intuições musicais, aos 13 anos de idade compôs sua primeira música: “Tiê-tiê”, nome de um passarinho muito querido pela artista e hoje uma das músicas mais pedidas durante suas apresentações.
Ao longo de quase um século de vida em prol da música, Ivone colaborou com nomes como Clara Nunes e Beth Carvalho. (Foto – Reprodução _ Acervo Pessoal)
1947 foi um ano emblemático na vida de Ivone, quando se casou com Oscar da Costa, filho de Alfredo Costa, presidente da Escola de Samba Prazer da Serrinha. Nessa fase passou a marcar presença na Escola, onde aperfeiçoou suas qualidades de sambista e conheceu amigos como Aniceto, Mano Décio da Viola e Silas de Oliveira, que mais adiante seriam seus parceiros em belas composições. Nesse mesmo ano, tornou-se a pioneira no mundo do samba, sendo a primeira mulher a compor um samba-enredo: “Nasci para sofrer”, usado pela Escola de Samba no desfile de então.
Ivone também estudou enfermagem, formando-se também no ano de 1947, e atuando pouco tempo depois como Assistente Social especializada em Terapia Ocupacional. Assim que se formou, a jovem foi contratada como funcionária do Instituto de Psiquiatria Engenho de Dentro, onde permaneceu até aposentar-se, em 1977. A música, no entanto, sempre esteve presente em sua vida. Ainda em 1965, após o encerramento da Escola de Samba Prazer da Serrinha, ingressou na ala dos Compositores da escola Império Serrano, outro ato pioneiro, e compôs com Silas de Oliveira e Bacalhau a obra-prima do gênero “Os cinco bailes da corte” ou “Os cinco bailes tradicionais da história do Rio”, um clássico que mais tarde passa a fazer parte de um dos seus discos solos.
Ivone também desfilou na ala das baianas de sua escola de samba a Império Serrano desde 1968 onde também é madrinha da ala dos compositores. O ano de 1970 foi incontestavelmente importante para a sua carreira de intérprete e compositora, quando gravou o seu primeiro disco pela gravadora Copacabana “Sambão 70”, produzido por Oswaldo Sargentelli e Adelzon Alves. Foi também o ano que recebeu o seu nome artístico: Dona Ivone Lara. Oito anos depois, gravou seu primeiro disco individual “Samba minha verdade, samba minha raiz”.
A partir de então, dedicando-se integralmente a atividade musical, passa a ser reconhecida nacionalmente, com enorme sucesso, com suas músicas gravadas por ícones da MPB como Gal Costa e Maria Bethânia “Sonho Meu”, música composta por Dona Ivone Lara e Délcio Carvalho, um dos seus parceiros mais perenes. E mais, Clara Nunes “Alvorecer”, Roberto Ribeiro “ Acreditar”, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia “Alguém me avisou”, Paulinho da Viola “Mas quem disse que eu te esqueço”, Beth Carvalho e Hermínio Bello de Carvalho “Força da imaginação” e outros.
Do ano 2000 em diante, Dona Ivone, seguiu ultrapassando fronteira, apresentando-se nos E.U.A e diferentes países da América do Sul, África e Europa. O respeito e admiração do público e colegas lhe rendeu em 2012 uma homenagem da Escola de Samba Império Serrano, sendo o tema do enredo do desfile. Atualmente, com 94 anos, continua nos palcos cultuada como diva e recebendo justas homenagens conquistadas por ser uma mulher multifacetada e ímpar com seu desempenho individual. Com descendência negra, esposa, funcionária pública, mãe, mulher, idosa e compositora de sucesso, Dona Ivone Lara consagra-se hoje como a única Dama da realeza da MPB.