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Benim

Projeto de restauro busca preservar arquitetura no Benim
por Regina Sá

 

Grande Mesquita de Porto Novo, Benim: exemplo de arquitetura com forte influência do barroco brasileiro (Foto: Reprodução)

 

Quem visita o Benim mas não conhece profundamente sua história, nem imagina que ali se formou uma comunidade afro-brasileira que influenciaria e muito a arquitetura local. Na capital, Porto Novo, existem cerca de 500 edificações construídas por ex-escravos brasileiros, os agudás, reconhecidos pelo sobrenome de origem portuguesa, embora hoje em dia a língua oficial do país seja o francês.

 

Há quase três anos, um projeto de cooperação entre Brasil, França e Benim vem sendo tocado por estes países. O foco é investir na conservação e restauro dos casarões e prédios erguidos pelos ex-cativos repatriados para a África há mais de 200 anos e preparar jovens que se interessem em patrimônio a partir de cursos especializados.

 

O Curso de Conservação e Restauração do Instituto Federal de Minas Gerais, de capacitação na área de patrimônio histórico, começou em 2012 na capital do país africano e, desde então, vem formando estudantes no ofício de restauração arquitetônica. A missão de recuperar cerca de 500 prédios na capital do Benim ficou a cargo do professor Alexandre Mascarenhas, de Minas Gerais, que ministra aulas e sai nas ruas com as turmas.

 

Durante quatro meses, a turma de alunos aprende com Mascarenhas – professor de Tecnologia em Conservação e Restauro do Campus Ouro Preto, noções sobre arquitetura, teoria do restauro e metodologia de intervenção. De acordo com o Instituto Federal Minas Gerais (IFMG), um dos parceiros do projeto, o cronograma de aulas prevê a introdução aos conceitos básicos sobre patrimônio cultural e preservação, noções do processo de ocupação das cidades, contextualizado à região onde se realiza o curso, arquitetura brasileira e afro-brasileira: metodologia de planejamento das obras de conservação e restauro, limites de atuação do trabalhador da construção civil e do especialista, dentre outros assuntos.

 

Nas aulas, o professor apresenta alguns exemplos de edificações tombadas no Brasil que passaram por processo de restauro de fachadas, como as de Ouro Preto, em Minas Gerais. Mas não é apenas por meio de aulas teóricas que os alunos se aproximam da herança agudá. Andando pelas ruas de Porto Novo, a turma visita prédios e aprende um pouco mais sobre as construções com referências tipicamente brasileiras, desde pequenos detalhes na forma como são encaixadas as portas até a utilização de ferragens no acabamento das estruturas, como eram feitas nas construções luso-brasileiras.

 

Presença brasileira na antiga Costa dos Escravos

Países como Nigéria e República Popular do Benim vivenciaram a descoberta da arquitetura trazida pelos escravos libertos no Brasil (afro-brasileiros) que se estabeleceram no Golfo de Benim, indo da atual cidade de Lagos, na Nigéria, até Acra, em Gana. Eles representam hoje cerca de 5% da população do Benim.

 

Os agudás, como ficaram conhecidos os africanos repatriados, eram ex-escravos brasileiros que formaram uma nova comunidade no Oeste da África. No Benim, em especial, a contribuição dos alforriados que retornaram para o continente revela o traço arquitetônico do século 19. Ali existem edificações com características bem diversas. Casas com um ou dois pavimentos, em estilo neoclássico, são vistas em várias cidades do Benim, como na capital, Porto Novo.

 

Em vez de paredes de barro, a arquitetura afro-brasileira introduziu novos materiais. Uma das mais importantes construções que retratam bem esta época é a mesquita central de Porto Novo. Evidenciada por uma arquitetura semelhante aos templos católicos brasileiros, devido às suas duas torres laterais, a construção é um exemplar do período.

“A mesquita possui muito do barroco colonial português. O desconhecimento dos construtores retornados do que seria uma mesquita fez com que adotassem padrões de templos católicos existentes no Brasil, especialmente na Bahia”, afirma o arquiteto e historiador Sergio De Simone.

 

“Na fachada, é possível observar as torres sineiras e, ao mesmo tempo, alguns símbolos do islamismo”, completa.

Espera-se que a iniciativa de preservar o patrimônio construído pelos agudás permita revalorizá-lo e revelar a riqueza cultural dessa porção da África, um continente a ser visto de outras formas, não apenas como fornecedor de matérias-primas ou riquezas naturais. A ação é uma chama a iluminar esses importantes testemunhos de amplo espectro da transferência cultural entre a África e o Brasil, uma via de duas mãos, como prova a presença das construções afro-brasileiras.

 

 

Arquiteto Sergio De Simone. (Foto: Regina de Sá / Divulgação)

Confira abaixo a entrevista feita com Sergio De Simone:

 

O que o senhor acha da iniciativa de capacitar jovens para restauração da arquitetura afro-brasileira?

Sergio – A iniciativa é muito louvável e bem-vinda, sem nenhuma dúvida. Claro que ficar de braços cruzados não é a melhor solução. No entanto, deve-se cuidar muito bem desse modelo pedagógico para que o aprendizado dos jovens, de curto prazo em geral, não seja superficial. Essa arquitetura praticada pelos regressos da escravidão no Brasil em solo africano é uma preciosidade de feições únicas e de importância universal, pois representa aspectos culturais de camadas da população negra brasileira transpostas para sua terra de origem, contrariando fortes tradições para moldar uma nova identidade negra.

 

De que maneira o restauro dessas edificações poderá influenciar positivamente na cultura local e permitir um avanço na cultura, no turismo etc.?

Sergio – A preocupação de três países interessados em relevar o assunto e colocá-lo em pauta pode despertar interesse de estudiosos e diletantes. Recentemente, fui com frequência à capital baiana e pude observar um interessante intercâmbio, inclusive turístico, entre a cidade e gente oriunda da Nigéria. Há um bar e lan-house na Praça da Sé que está francamente voltada aos nigerianos. Isso me parece muito positivo e deveria ser incrementado, ampliando a possibilidade de brasileiros conhecerem o Togo, a Nigéria e o Benim, locais de regresso de famílias negras brasileiras, os chamados agudás. Por outro lado, é lamentável o estado de abandono em que se encontrava, por muito tempo, a Casa do Benim, situada no Pelourinho.

 

Como eram os agudás na África?

Sergio – Os bem-sucedidos e abastados mandaram seus filhos estudarem medicina e advocacia na França ou na Bahia e assim forjaram os pioneiros profissionais do ramo na costa ocidental africana e forneceram quadros de primeiro escalão da administração daquelas colônias. Infelizmente, o Brasil é pouco voltado para assuntos como arquitetura e as publicações de maior tiragem e a TV pouco espaço oferecem ao tema. O mesmo ocorre com matérias de cunho cultural, como a trajetória dos agudás, por exemplo. Na realidade, no horizonte do brasileiro mediano, temos pouco interesse em cultivar nossa memória, de olhar para nós mesmos e verificar nossos defeitos e virtudes.

 

Para saber mais:

Instituto Federal Minas Gerais

www.ouropreto.ifmg.edu.br/news/cooperacao-trilateral-brasil-2013-franca-2013-benin

 

Porto Novo

www.pordentrodaafrica.com/cultura/expedicao-benim-conheca-a-historia-os-museus-e-a-igreja-mesquita-de-porto-novo