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Cabo Verde

Pinceladas à la morna
por Alessandra Alves

 

Avental de Vendedeira (Foto: Divulgação)

 

 

Com pinturas marcadas pelas cores fortes e pelo traçado em movimento, Kiki Lima é um dos pintores que buscam uma identidade cabo-verdiana em suas obras. Nascido na Ilha de Santo Antão, um dos nove arquipélagos que formam Cabo Verde, Euclides Eustáquio Lima teve uma infância marcada não pela pintura, mas pela música.
 

“O meu pai tocava violino e o meu irmão mais velho tocava violão. O meu avô materno era um bom tocador de viola de dez cordas. Aprendi a tocar violão, no meio familiar, aos 10 anos, de uma forma autodidacta, como a maioria dos cabo-verdianos. Depois aprendi cavaquinho e viola de dez cordas”, diz Kiki em entrevista à revista cabo-verdiana A Semana.
 

Tendo seu primeiro violão quebrado pelo pai, após ser reprovado três vezes na escola, Kiki Lima trabalhou como empregado comercial durante a juventude, o que lhe proporcionou contato com “as carências” da população. Tendo sido eleito delegado sindical nos anos seguintes, Kiki ganha uma bolsa para estagiar na União Soviétia, experiência fundamental para fazer suas temáticas artísticas se voltarem para as questões sociais. “Desta formação comunista, extraí a parte sociológica que me interessava e a minha temática passou a incidir muito sobre a luta social”, diz à revista.

 

 

 

Carinho Abarrotado (Foto: Divulgação)
 

Em 1983, Kiki Lima chega em Lisboa para estudar direito, já com uma experiência de quase dez anos na pintura. “O objetivo era estudar Direito mas também me manter ligado ao mundo artístico. Cheguei a estudar Direito durante um ano e meio mas, durante esse percurso, percebi que a minha vocação não aquela”, diz na entrevista. Menos de dois anos depois, Kiki abandona os estudos em Direito e vai para a faculdade de Belas Artes de Lisboa, em 1985.
 

Um de seus primeiros desafios na pintura foi a busca por seu traçado próprio, o que exigiu investigação, experiências e dedicação. Além do gosto pelas artes, especialmente pela pintura, o que motivou Kiki Lima a prosseguir na carreira artística foi o desejo de quebrar estereótipos relacionados a Cabo Verde e seu povo.
 

O noticiário português mostrava a imagem de cabo-verdianos violentos, munidos de facas nas ruas. Isso motivou Kiki a fazer de sua arte uma fonte de outras visões de seu país. “Para mim, aquele não era o retrato do cabo-verdiano. As notícias que vinham nos jornais eram sempre sobre essas cenas de pancadaria. O meu povo não era só violência, era e é muito mais do que isso. É cultura, sobre diversas manifestações: dança, música, a nossa forma particular de conviver.”  Em 2004, após 21 anos vivendo na capital portuguesa, o pintor volta à sua terra-natal.

 

 

 

Mulheres Animadas (Foto: Divulgação)
 

Outro fator importante para a arte social feita por Kiki Lima é o momento histórico em que o pintor começou sua carreira. O pintor viu a ditadura do Estado-Novo em Portugal cair, momento histórico conhecido como a Revolução dos Cravos, em 25 de Abril de 1974. Nos anos seguintes, colônias portuguesas na África conquistaram a independência, como é o caso de Angola, Moçambique e Cabo-Verde, todas independentes em 1975.
 

A pintura, a escultura, a dança, a música e outras linguagens artísticas foram campo fértil para um processo de construção identitária e afirmação cultural, capazes de criar laços, tradições e narrativas entre o povo e uma nação recém-nascida. Assim, trabalhos de artistas como Kiki Lima foram e ainda são importantes na construção da identidade cabo-verdiana.
 

As cores e o traçado de Kiki Lima conferem uma vivacidade a seus quadros e suas pinceladas rítmicas dão vida às pinturas, como se os retratos dançassem ao som da morna – um dos ritmos tradicionais em Cabo Verde. “Quase nunca coloco uma música propositadamente para pintar um quadro. O processo é inverso. Começo a pintar e vou colocando música para acompanhar o momento. Depende do feeling do momento e do estado de espírito. Pode ser música caboverdeana, lenta ou movimentada”, disse em entrevista concedida a Odair Varela, jornalista e blogueiro cabo-verdiano.

 

 

 

Na Rua (Foto: Divulgação)
 

Sobre a relação entre música e pintura em seu processo criativo, Kiki conta: “Às vezes provoco um pouco se estou pintando um quadro com muito movimento, coloco uma música que me faz dançar enquanto pinto. O meu tipo de pintura é caracterizado muito pelo movimento que imprimo. O movimento que está no quadro é vivido. É mais a pintura que influencia a música do que o contrário.”
 

A indefinição dos rostos dos personagens faz das pinturas de Kiki verdadeiros retratos-espelho, onde diferentes cabo-verdianos podem se reconhecer. Cabelos longos, vestidos, decotes e saias em movimentos são alguns poucos elementos que permitem a diferenciação entre homens e mulheres em suas pinturas.
 

A mesma técnica é vista na elaboração dos ambientes pintados, no segundo plano das telas. A indefinição das pinceladas do artista dá aos quadros um caráter universalista, cuja localidade das cenas retratadas fica a escolha do observador. As pinturas de Kiki Lima trazem o povo e o cotidiano cabo-verdiano, a partir de danças, lavar roupa e as quitandeiras.

 

 

 

Vendedeira (Foto: Divulgação)
 

Em pouco mais de 45 anos de carreira, o artista plástico cabo-verdiano realizou diversas exposições individuais e participou em mais de 160 coletivas nos cinco continentes. Suas obras estão presentes nos mais importantes espaços e coleções particulares e institucionais de Arte Contemporânea.
 

“Sempre entendi e faz parte das minhas investigações, que o cabo-verdiano é um ser universal, tem várias origens. Não é por acaso que ele se adapta a vários locais sociais fora de Cabo Verde. Do ponto de vista técnico a solução que encontrei foi não refletir ambientes concretos mas, do ponto de vista do ambiente do quadro, refletir aquilo a que eu chamo de ambiência, ou seja, um lugar que eu sinto como sendo cabo-verdiano, mas que pode ser outro sítio qualquer”, afirma Kiki.