Álbum Capoeira de Besouro (2010), de Paulo César Pinheiro (Ilustração: Xilogravura de Ciro Fernandes)
Ilustre compositor e poeta brasileiro, Paulo César Pinheiro apresenta de forma recorrente em suas composições a ligação do Brasil com a África. Em Capoeira de Besouro, CD de 2010, conta a história da capoeira em forma de música. O trabalho foi pensado originalmente para o musical Besouro Cordão-de-Ouro, sobre o maior capoeirista baiano, mítico personagem, também violonista e compositor de sambas de roda: Besouro Mangangá.
“Ninguém ouviu um soluçar de dor
No canto do Brasil.
Um lamento triste sempre ecoou
Desde que o índio guerreiro
Foi pro cativeiro e de lá cantou.
Negro entoou um canto de revolta pelos ares
No Quilombo dos Palmares, onde se refugiou.
Fora a luta dos inconfidentes
Pela quebra das correntes.
Nada adiantou.”
Canto das Três Raças, inesquecível na voz de Clara Nunes, é um dos inúmeros exemplos da criação de Paulo César Pinheiro, que traz a história do Brasil em versos que ecoam pelos ares e ficam registrados na memória. A história do povo brasileiro por meio dos ancestrais indígenas e dos negros africanos. Em Capoeira de Besouro, o personagem popular ganha voz mais uma vez, pois Paulinho (como o músico é chamado carinhosamente no meio artístico), já havia feito uma homenagem ao capoeirista santoamarense, no samba Lapinha de 1968, nos versos: “Adeus Bahia, zum-zum-zum/ Cordão de ouro/ Eu vou partir porque mataram meu besouro”.
A capoeira nasceu no Brasil, criada por negros bantos de Angola que escravizados encontraram nos gestuais de dança e luta uma forma de defesa. O nome vem do local onde os escravos das fazendas se reuniam para praticar o jogo que parece uma luta. No centro da roda dois pares se defrontam, enquanto ao redor são acompanhados por palmas, ao ritmo do berimbau e de cantigas. Na jinga, entre rasteiras e chutes, o capoeirista tem que mostrar agilidade e equilíbrio.
O compositor carioca recebeu no 26º Prêmio da Música Brasileira, de 2015, o prêmio de melhor canção, em sua parceria com Guinga, para Sedutora, interpretada por Mônica Salmaso. (Foto: Wikipédia)
Lançado pelo selo Quitanda, de Maria Bethânia, que assina a direção artística do disco, com produção de Luciana Rabello, Capoeira de Besouro traz em cada uma das 14 faixas um toque de capoeira, como o Toque de Amazonas, que abre o álbum, o Toque de Benguela e o Toque de Angola Dobrada, entre outros. Com capa e ilustrações no encarte em xilogravura de Ciro Fernandes, a riqueza desse material é complementada com textos de Mestre Camisa sobre os toques, que tem participação também tocando berimbau.
Em entrevistas o compositor carioca revela ter se aprofundado na história de Henrique Pereira, nome de Besouro, em pesquisas realizadas em Santo Amaro da Purificação, na Bahia, depois do personagem ter sido a ele revelado nos livros de Jorge Amado. O musical Besouro Cordão-de-Ouro, de 2006, de sua autoria, teve a direção de João das Neves e ganhou o Prêmio Shell de Teatro nas categorias melhor música e direção musical.
“Jogar Capoeira” ou Danse de la Guerre, de Johann Moritz Rugendas,de 1835. (Foto: Wikipédia)
Segundo o Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, Paulo César Pinheiro é “considerado um dos maiores poetas da canção popular do Brasil, reuniu, ao longo de sua carreira, uma volumosa obra gravada por inúmeros cantores, contando, em 2011, com cerca de 1.100 músicas gravadas, além das inéditas, totalizando mais de 2.000 músicas compostas”. E assim continua sendo, em ativa carreira de escritor e compositor, recebendo prêmios e homenagens. Salve o mestre e seus versos sempre atentos aos desmandos do mundo, como em Toque de São Bento de Angola:
“Esse mundo não tem dono
E quem me ensinou sabia
Se tivesse dono o mundo
Nele o dono moraria
Como é mundo sem dono
Não aceito hierarquia
Eu não mando nesse mundo
Nem no meu vai ter chefia
É de Angola é de Angola é de Angola.”