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África

Os reis que esquecemos
por Paulo de Tarso Valerio

 

O único desenho conhecido de Shaka com a azagaia e o escudo pesado em 1824, quatro anos antes de sua morte. (fonte: Wikipedia)

 

 

Que menina nunca sonhou em ser uma bela princesa, morando num castelo medieval de pedra, como os dos contos de fada? E que rapaz nunca almejou ter a força e a coragem de Rei Artur, príncipes e cavaleiros medievais, que arriscam suas vidas em caçadas a dragões e guerras sangrentas? Príncipes e princesas brancos em castelos de pedra? Monstros das neves e dragões no topo de montanhas geladas? Somos criados dentro de um imaginário fantasioso completamente alheio ao nosso Brasil.

 

 

Boa parte de nossos heróis e sonhos vem de um contexto muito diferente do nosso: a Europa medieval. Boa aceitação das fábulas de Esopo e contos de fada dos irmãos Grimm? Ou talvez influência de princesas e príncipes da Disney? Aulas e mais aulas sobre a dinastia dos Tudors ou sobre personagens como Pepino, o Breve? São muitas as causas de nossa educação imaginativa e histórica eurocêntrica. Mas seriam esses os únicos reis da história (real ou imaginada) dignos de lembrança?

 

 

Na insistente educação brasileira para desconhecermos África, aprendemos a ignorar belas histórias africanas de coragem, honra e bravura, que, na verdade, estão muito mais próximas de nossas raízes brasileiras do que imaginamos. Fechamos os olhos para uma realeza que, inclusive, até hoje está presente no continente africano.

 

 

 

O imperador etíope Menelik II

 

 

Enquanto as meninas eram (e continuam a ser) educadas para serem passivas, fracas e dependentes dos homens – como princesas da Disney e dos contos de fada – uma verdadeira rainha africana poderia ser um exemplo muito mais valioso e poderoso para as crianças brasileiras : Ginga, a incapturável rainha angolana.

 

 

Nzinga Mbandi, ou Ginga, foi estrategista política e militar, guerreira e diplomata, e se manteve no poder por mais de 40 anos. Inteligente, forte e carismática, a rainha resistiu fortemente à invasão portuguesa no século XVII, negociou acordos diplomáticos com sabedoria, liderou rebeliões e jamais se entregou ou aceitou a dominação de estrangeiros. Mas a realeza de Ginga não é a única que merecia lugar de destaque em nosso imaginário popular.

 

 

Muitos foram os reinados e linhagens reais africanos. Alguns sucumbiram à força militar europeia dos colonizadores, outros foram cooptados pelo regime colonialista e tiveram parte importante na dominação europeia, mas outros resistiram. Líderes como o imperador da Etiópia Menelik II, que impediu com êxito a colonização italiana, e o líder étnico e estrategista militar Shaka Zulu que, mesmo liderando um povo de pouca expressão territorial e populacional, conseguiu, através de táticas militares criativas, conquistar o temor dos colonizadores britânicos, mostram que é preciso muito mais do que riquezas e armas para ser um grande líder e mudar a história.

 

 

 

Rainha Ginga em negociação de paz com o governador português em Luanda, 1657.

 

As consequências de desprezarmos nossas raízes africanas são muito mais amplas do que imaginamos. Histórias, contos, mitos e fábulas moldam todo o caráter de um povo. Ao adotarmos um imaginário cultural estritamente europeu, deixamos de enriquecer as crianças com exemplos de personalidades reais fortes e carismáticas, que poderiam nos descolar da admiração por vencedores pela opressão e nos aproximar daqueles que provam que a verdadeira força não depende do gênero, ou da riqueza material e superioridade militar, mas sim da resiliência, criatividade, coragem e bravura.

 

 

Paulo de Tarso Medeiros Valerio
Mestrando
Programa de Pós-graduação em Sociologia
Universidade de São Paulo
Bacharel em Relações Internacionais pela PUC-SP