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Brasil / África

O dicionário de raízes do sambista Nei Lopes
por Cecília Garcia

 

Em sua literatura Nei é todo raízes. Nela, essa imersão no samba carioca o converteu numa espécie de dicionário ambulante. (Foto: Reprodução / Facebook oficial) 

 

 

Banana da terra é pesada, continente dentro da fruta. Mas quando frita e pisada no pilão se pulveriza, se torna farinha fina e amarela, efum-oguedê. O escritor, sambista e antropólogo Nei Lopes, quando compôs a canção homônima, versava sobre a importância de conhecer suas origens: Povo sem alma, sem querer se conhecer, vai virar farinha fina, menina, efum-oguedê. Ele dedicou sua vida a produção de conhecimento sobre a cultura afro-brasileira, a desvendar as frondosas árvores genealógicas de um povo que nasceu da diversidade.

 

 

O menino que cresceu com 12 irmãos no Irajá nunca negou a preciosidade de suas raízes. De pequeno já se metia nas rodas de samba, aquecendo o gogó, muito certo de que o Rio de Janeiro era berço do afro-brasileiro, portanto seu maior protetor. Viver nas noites aquecidas pelo fervor de pandeiros, pelo passar ligeiros das porta-bandeiras, pelo samba da casa da Tia Dina, imbuiu Nei de um poder narrativo e observador que se notou em seus primeiros poemas, lançados em 1963.

 

 

 

 

Porque há os que nascem para sambar, há os nasceram para escrever, e existe Nei, que nasceu podendo os dois. Formou-se como advogado, mas sua verdadeira profissão foi ser esponja das vivências do morro, bebendo de um gole só a cachaça açucarada, mas também amarga do cotidiano. Ligou-se à Acadêmicos do Salgueiro e Vila Isabel, e produziu músicas famosas com outros sambistas, como Wilson Simonal. Mas lamenta que, das mais de 300 produções, as mais conhecidas sejam os sambas faceiros. Queria que ouvissem seus cantos Bantos, suas epopeias sobre Zumbi dos Palmares.

 

 

Em sua literatura, entretanto, Nei é todo raízes. Nela, essa imersão no samba carioca o converteu numa espécie de dicionário ambulante. Sua escrita é sobre o samba – sempre -, desde os livros antropológicos como Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana, até os romances como A Lua Triste Descamba, que resgata o cotidiano sem misticismos de onde nasceu e constituiu-se. Disse, mais jovem, que se arrepiou ao ler Olavo Bilac, ao murmurar as palavras de Gabriel Garcia Márquez, mas ocupa hoje com igual graça o panteão dos escritores imorredouros.

 

 

 

 

Há uma fama de que seja rabugento e muito radical em suas convicções. Mas radical não vem da palavra raízes? Nei conhece as suas, as preserva, tem uma lupa poderosa e subjetiva para as pontes que ligam o continente africano ao Brasil. Nos dicionários de minuciosa precisão, nas letras que cantam sobre samburás e aipins, ele abre a pesquisa para os campos poéticos da literatura e da música, e teimoso segue numa luta contra a invisibilidade da africanidade que tanto formou o Rio de Janeiro e o País.

 

 

E de repente, eram um, eram dez, eram milhares sob as asas azuis da liberdade, cantou Nei no samba A Epopeia de Zumbi. E se milhares ficarem sobre as asas brancas e pretas das páginas de seus livros, milhares trançarem os pés em suas canções, o legado de quem guerreira com palavras não terá como virar farinha fina.