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A melhor forma de começar a entender a indústria de filmes nigerianos seria de relacioná-las com as novelas brasileiras. Os filmes estão presentes na sociedade nigeriana bem como as novelas para os brasileiros. Extremamente popular no país e no continente, a indústria cinematográfica nigeriana cresce exponencialmente a cada dia, sendo hoje considerada a segunda maior do mundo, ficando atrás apenas de Bollywood.
A inserção do cinema na Nigéria é atrelada com o fim do sistema colonial imposto pelos britânicos. Após a independência o governo nigeriano utilizou a rede de televisão e fomentou a produção de filmes que convergissem com as políticas e ideologias desse novo governo, como uma ferramenta de propaganda. Nas décadas de 1960 e 1970, a produção de filmes nigeriana para a televisão apresentou aspectos que visavam uma espécie de descolonização da mente. Para o novo governo, os filmes televisivos acabavam servindo uma link de relações públicas. Ainda, com o boom do petróleo em 1970, a economia do país começou a se afirmar, possibilitando o financiamento e investimento estatal para o setor cinematográfico.
Com a crise econômica da década de 1980, a demanda por filmes nigerianos aumentou ainda mais. Houve um crescimento no número de profissionais ligados a produção de filmes, que viam no setor uma oportunidade de mercado para combater a crise. Assim, foram se formando os nichos especializados da área e filmes começaram a serem produzidos com temáticas diversas, para agradarem ao maior público possível.
A ânsia por imagens e enredos comuns e familiares por parte dos nigerianos fez com que os filmes fossem consumidos mesmo se sem qualidade técnica, mas sim por apresentarem uma estética e linguagem próxima da realidade local. A Nigéria além de ser um dos países mais populosos da África, concentra uma variedade de etnias enorme, e cada uma acatou o cinema a seu modo. De modo geral as tramas são encenadas em inglês pidgin (inglês local), mas mescladas com outras línguas de acordo com a etnia do diretor, variando entre o Hausa, Igbo, Yorubá e outras línguas existentes entre os mais de duzentos grupos étnicos diferentes da Nigéria.
As produções de Nollywood são os exemplos mais bem sucedidos da auto-representação no cinema africano. Desde o fim da colonização a Nigéria, e a maioria da África, lidaram e lidam com a necessidade de restabelecer sua sociedade. Não apenas no que tange a política e economia, mas também a cultura, tradições e a religiosidade, aspectos esses que foram afetados com o domínio europeu. É nesse processo de renascimento e rebusca de raízes que nascem os motivos de muitos filmes nigerianos, que procuram trazer representações de uma sociedade que o processo de colonização ignorou.
Como funciona a produção dos filmes nigerianos
Mesmo tendo o conteúdo dos filmes como principal atrativo para os espectadores, buscando suprir a deficiência de produções que apresentem perspectivas africanas para africanos e que valorizem a cultura local, vale ressaltar que para muitos dos envolvidos na indústria cinematográfica nigeriana os filmes não são vistos necessariamente como arte ou como expressão social. Lembrando que a indústria de filmes no país é o segundo setor que mais emprega na Nigéria, é possível constatar que para muitos dos envolvidos, o setor funciona como um comércio.
Assim, a indústria de vídeo nigeriano acaba colocando em pauta um debate sobre a responsabilidade dos cineastas africanos com o compromisso social e estético de seus filmes, pois do mesmo modo que há a indústria há os artistas, que buscam através do cinema expressar algo além da busca por lucro. Há quem afirme, como o diretor nigeriano Tunde Kelani que realiza filmes de trabalhada qualidade artística, que por privilegiarem a quantidade em detrimento da qualidade, os produtores dos filmes em vídeo abdicam de toda uma tradição de cinema autoral, social e político, que é a marca registrada dos filmes africanos.
Em contraponto argumenta-se que os vídeos têm um alcance inatingível e que por isso suas produções não deveriam ser subestimadas. Se de um lado os filmes produzidos na Nigéria não possuem os artifícios necessários para as competições e mostras nos festivais de cinema africanos e internacionais, do outros, eles “saciam a sede por imagens do povo local, que “expressa fantasias, os sonhos, os medos, as dúvidas, o ódio e as aspirações de um país que é tão grande que todo o resto do continente pode se identificar com o seu cinema”, e com isso a participação nesses festivais se mostraria secundário.
O custo médio para a produção de um filme é de três a cinco mil dólares no total, com uma média de cinqüenta mil cópias distribuídas no mercado em formato de DVD, que é vendido por até três dólares, sendo que desse valor 1 dólar destina-se para a produtora, 1 dólar para despesas com marketing e 1 dólar para o comerciante varejista. Devido a pirataria que permeia os mercados, os filmes devem ser vendidos em no máximo quinze dias, uma vez que depois desse período a probabilidade das cópias serem todas piratas é grande e os envolvidos na produção dos filmes acabam não recebendo mais pelas vendas. Fator que acaba impulsionando as produtoras a estarem constantemente lançando novos filmes no mercado, direcionando ainda mais a indústria cinematográfica ao comércio.
O cinema nigeriano teve sua construção permeada pela história e formação do país. A sua indústria revela complexidades econômicas intrínsecas a modos culturais e hábitos sociais que pulsam entre seus cidadãos. Se a arte foi criada na Europa, na Nigéria ela foi apropriada e reapropiada. De maneira inovadora, os nigerianos reinventaram as ferramentas do setor, seja no modo de produção ou no de representação. Assim, assistir aos filmes de Nollywood, é ter a oportunidade de conhecer melhor a cultura local e seus modos de sociabilidades, apresentados de diferentes maneiras a cada película, que proporcionam outra perspectiva sobre a história e contexto nigeriano, pouco conhecidos fora do continente.