width="62" height="65" border="0" /> width="75" height="65" border="0" /> width="75" height="65" border="0"/> /> /> /> />
Brasil / África

Mjiba em Ação: a valorização do fazer artístico de mulheres negras no extremo sul da cidade de São Paulo
por Juliane Cintra

 

 

O nome veio do lado de lá do Atlântico, Mjiba eram jovens mulheres guerrilheiras, que reza a lenda lutaram pela independência de Zimbábue. Pouco importa se a história dessas revolucionárias foi uma realidade ou apenas parte da obra literária da escritora J. Nozipo Maraire, no livro Zenzele – Uma carta para minha filha. O fato é que cruzando o oceano e chegando no extremo sul da cidade de São Paulo, os ideais dessas guerreiras circularam as ruas do Jardim Noronha por meio de um fanzine, que em 2001 marcou o início de um projeto que comemora mais de uma década de atuação, o Mjiba – Jovens Mulheres Negras em Ação.

 

 

“Era uma época em que eu era estudante de ensino médio, tinha grana para efetivamente nada. Não trabalhava. Aliás, associava o trabalho à escravidão e precisava ser livre, precisava passar no vestibular. Comecei a escrever, minha irmã financiava as cópias e eu distribuía. Tudo começa com o hip hop e seu direcionamento, era essa a cultura que a gente fazia parte. O hip hop era a nossa casa, só que a gente conseguia olhar pra essa casa de forma crítica, sobretudo, quando falávamos sobre as mulheres, mulheres negras e sua desvalorização”, lembra Elizandra Souza, jornalista e poetisa, idealizadora do Mjiba.

 

 

Poderia mudar o meio, as vozes trazidas serem multiplicadas, mas as histórias e os incômodos permaneciam. Após 3 anos de existência, divulgando a cena marginal e a história do povo preto, somente as páginas do fanzine não bastaram. Atuar em conjunto foi a alternativa, refletir sobre o machismo no cotidiano cultural se fez necessário. Como afirma Elizandra: “era preciso representatividade, era preciso estar ao lado de outras mulheres no hip hop”. Dessa maneira, duas ações emblemáticas despontam em 2004: a organização de um sarau em que só mulheres se apresentaram na Cooperifa, um dos principais palcos da poesia paulistana, e a participação no Central Acústica, evento promovido na Galeria Olido, importante local para a cultura periférica, localizado na região central da cidade de São Paulo.

 

 

“O Central Acústica, foi onde eu recitei meu primeiro poema. Éramos – eu e outras meninas, me lembro da Tula Pilar, Lourdes da Luz, a Rúbia do RPW, a Tuque Mel, tinha muito mais – acompanhadas por uma banda e cada uma através de sua expressão artística passava sua mensagem. Já no Sarau da Cooperifa, como era uma das integrantes, onde recitava meus textos, convidei outras meninas da cena, essas e outras que participavam dos encontros que ocorriam no Ibirapuera para discutir o lugar das mulheres no hip hop, para participarem de um sarau em que só mulheres se apresentariam. Muito mudou a partir daí…”, confessa Elizandra.

 

 

 

Foto: Divulgação

 

 

A descoberta do dia 25 de julho foi uma das reviravoltas. Instituído como o marco da luta e resistência da mulher negra contra o racismo e as opressões de classe e gênero, a comemoração foi criada em 1992, no I Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-caribenhas. A data reconhece a importância das mulheres negras no processo de construção e combate às desigualdades desse continente.

 

 

Então, 12 anos depois, ao lado de sua amiga Thais Vitorino e sua irmã Elisangela Souza, Elizandra idealiza e promove o primeiro Mjiba em Ação. Apoiado no tripé: debate, shows musicais e poesia, o evento é realizado no CEU (Centros Educacionais Unificados) Três Lagos. Já em sua primeira edição, com poucos recursos, tudo aconteceu de forma colaborativa. Elizandra conta que a mesa do camarim tinha frutas e sucos que elas trouxeram de casa e os deliciosos lanches de carne desfiada, mais conhecida como carne louca, que uma das mães de uma colega fez. Em 2005, mais uma edição acontece, com a novidade de exposição de fotografias sobre mulheres do Haiti.

 

 

“Essas duas primeiras edições foram um sucesso, contamos com os amigos, não tínhamos dinheiro. A mestre-de-cerimônias em 2004 foi a cantora e atriz Cindy Mendes, que depois despontou no filme Antonias. Em 2005, inovamos com a exposição de fotos, o que só foi possível com o auxílio das companheiras de caminhada. Enfrentamos gestões diferentes, na época da Marta [Suplicy] fomos acolhidas, já no mandato [José] Serra nem água ofereceram pra gente no CEU, mas – como digo – tudo é um aprendizado”, ressalta a poetisa.

 

 

Após cinco anos fazendo cursinho, o tão almejado acesso ao Ensino Superior acontece, Elizandra ingressa na faculdade de Jornalismo e segue aprimorando as mais variadas formas de produzir arte. Ela explica que “o Mjiba, como evento, dá uma parada, mas a gente seguiu escrevendo. Até que em 2007, junto a Akins Kintê, publico meu primeiro livro, Punga – uma coletânea das minhas primeiras poesias. Logo depois, participo como mestre-de-cerimônias do projeto Carolineando, um sarau em homenagem a Carolina Maria de Jesus, organizado pela Cintia Gomes e Paola Prandini do Afroeducação. Foram cinco edições, viabilizados em 2011 por conta de um edital do VAI”.

 

 

 

Foto: Divulgação

 

 

O programa VAI e a primeira incursão no universo das políticas públicas

O programa VAI – Valorização de Iniciativas Culturais é uma referência quando o tema é políticas públicas culturais. Reconhecido por apoiar financeiramente iniciativas de coletivos artísticos de jovens de baixa renda, ele viabiliza a profissionalização dos processos que envolvem o Mjiba em Ação. A partir de 2012, os artistas passam a ser remunerados, livros de mulheres negras são publicados e o evento consolida sua atuação no Jardim Noronha.

 

 

“Nunca tivemos a intenção ou viemos com aquela conversa de levar uma iniciativa para a comunidade, até porque somos moradoras do Jardim Noronha. Depois de dez anos, pudemos perceber que promovemos o Mjiba por conta de uma demanda que era nossa, sempre foi nossa. Se você me perguntar se mudamos a realidade do nosso bairro? Acho que não. Mas é inevitável reconhecer que mudamos as nossas vidas, as vidas das autoras dos livros e trocamos muito com as pessoas da nossa realidade, que enfrentam o mesmo cotidiano que nós”, destaca a jornalista.

 

 

Quando afirmam que o Mjiba é um coletivo, Elizandra indaga a denominação, recorda que no hip hop muitas foram as formas de designar os grupos, como posses, por exemplo. Para ela, tal rótulo se aplica para ações que se dão no processo de militância e o Mjiba sempre gira em torno de uma ação específica. “Se estamos fazendo os livros, nos dedicamos a isto; o evento, por sua vez, nos consome em torno dele. Não atuamos em outras frentes, não realizamos ações contínuas. Essa é só uma forma diferente de se organizar. Nem pior, nem melhor. Porém, creio que não podemos nos definir como coletivo. O que importa são as nossas ações e os seus significados”, resume.

 

 

 

Foto: Divulgação

 

 

De 2012 até 2014, foram 3 livros publicados: Águas da Cabaça, Pretextos de Mulheres Negras e Terra Fértil. Os assuntos discutidos em todos os debates foram diversos, de empreendedorismo cultural à saúde das mulheres negras. Com atrações para todas as idades, o Mjiba em Ação revelou novas e grandes artistas para a região do Grajaú. Afinal, nos palcos e na linha de frente – como fala Elizandra – apenas as mulheres estavam autorizadas.

 

 

“A possibilidade de dialogar com mulheres negras e suas histórias, de trazê-las aos palcos, daí começam as nossas conquistas. Nós, mulheres negras, enfrentamos muitas covardias em nossas trajetórias, boa parte delas nos tiram o direito a sonhar, a fazer arte. A nossa questão é a sobrevivência, e diante da manutenção da vida não há escolha. Por isso que a maioria de nós para antes, sai dos palcos, assume a família e segue lutando pelo custo de vida, como diz Carolina em Quarto de Despejo”, lamenta Elizandra.

 

 

Sobre a importância das obras literárias e os próximos desafios, arremata: “nós conseguimos publicar Pretextos, que traz produções de 22 autoras negras, contando com contribuições de autoras internacionais, fazer com que Jenyffer [Nascimento] tirasse da gaveta obras-primas presentes em Terra Fértil, com que eu mostrasse minhas poesias em Águas da Cabaça. Fortalecemos a literatura de mulheres negras periféricas, suas trajetórias, debatemos nossas questões. Agora? Queremos circular a nossa produção de conhecimento, a nossa literatura, nos tornamos fluidas podemos estar em qualquer lugar, com qualquer formato e é sobre isso que vamos refletir por hora. Seguiremos reinventando, pois essa é a nossa maneira de existir”.

 

 

 

Foto: Divulgação

 

 

Conheça as publicações do projeto Mjiba

Águas da Cabaça, publicado em 2012, é o livro da poetisa Elizandra Souza. Com ilustrações de Salamanda Gonçalves e Renata Felinto, a obra reúne sete mulheres negras em sua concepção artística, considerando as mais variadas dimensões desse fazer. “E é nessa cabaça que ela traz sonhos, esperanças e água/vida. Água essa que limpa e leva tudo que não for bom embora. A água que rompe barragens, faz nascer rios, corre para o mar e vira imensidão, o imensurável”, assim diz Mel Adún, em um trecho do prefácio da obra.

 

 

Pretextos de Mulheres Negras é uma antologia que apresenta as subjetividades de suas 22 autoras, considerando as convidadas internacionais, Queen Nzinga Maxwell (Costa Rica) e Tina Mucavele (Moçambique). Um tratado sobre a luta por resistência, memória, pertencimento, traz com ludicidade em seus versos os valores presentes na diáspora.

 

 

Terra Fértil, primeiro livro de poesias de Jenyffer Nascimento, lançado em outubro de 2014 é organizado por Carmen Faustino e Elizandra Souza, com projeto gráfico de Nina Vieira e ilustração de Lucimara Penaforte, traz uma coletânea dos textos dessa autora, que estreia nas antologias em Pretextos de Mulheres Negras e do Sarau do Binho, iniciativa que acontece há 11 anos e reúne poetas e outros artistas populares na Zona Sul de São Paulo.