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Zâmbia

Malama Katulwende e o desenvolvimento endógeno africano
por Kauê Vieira

 

Malama Katulwende

 

 

Malama Katulwende é um dos principais destaques da literatura de Zâmbia, país da África Austral. O escritor já era figura conhecida por sua coleção de poesias, contudo foi a partir de concretização de “Bitterness” (que significa angústia), aclamado romance que reflete a inquietude de um escritor diante do mundo, seja ele interno ou externo, que o zambiano ganhou maior visibilidade e passou a ser estudado nos quatro cantos do planeta.

 

 

Se firmando como um dos retratos mais realistas e impressionantes sobre a vida de um jovem contemporâneo de África, o livro expressa a insatisfação e tristeza sentida por Malama ao ver sua gente partindo para outros países e continentes em busca de uma vida melhor. Para o escritor todos deveriam tentar ao máximo trabalhar em prol do desenvolvimento e mudar as circunstâncias de sua nação antes de pensar em se mudar. “Se eu quisesse, por exemplo, poderia estar em Nova Iorque, mas escolhi não fazê-lo. Não porque não posso, mas porque eu quero fazer a diferença no meu país,” explica em entrevista concedida ao Afreaka.

 

 

 

Capa do livro Bitterness

 

 

De acordo com o autor, a publicação foi lançada com o objetivo de propor uma discussão que busque entender a dinâmica social que vivem os graduados de Zâmbia, estas pessoas que cedo ou tarde acabam indo para o exterior visando compensar frustrações. Para tal, “Bitterness” narra a história de um adolescente extremamente inteligente e que consegue entrar na principal universidade do país. O fato acaba gerando excitação por parte da família, que vislumbra uma vida de sucesso para o garoto e assim obter sustento por meio do trabalho do primogênito. Entretanto, em função de um colapso econômico, tais expectativas não se confirmam e todos acabam frustrados e o jovem se vê forçado a deixar Zâmbia.

 

 

Como consequência do sucesso, Malama foi agraciado em 2006 com o Julius Chongo, como melhor e mais criativo escritor de Zâmbia, na cerimônia do “Ngoma Awards”. Malama Katulwende nasceu em Luapula, província de Zâmbia, em 1967, sendo o primeiro filho em uma família com oito. Estudou matemática e física na Universidade de Zâmbia e posteriormente se aventurou no empreendedorismo. Atualmente administra a Knowledgegates Tool, uma empresa de tecnologias da informação e comunicação (TICs) baseada em Lusaka, capital e maior cidade de Zâmbia.

 

 

Além de “Bitterness”, Katulwende publicou cerca de 60 artigos para a revista UKZambians, com temas que vão desde política, antropologia, filosofia, matemática e física. Com uma narrativa mix e que transita entre a poética e a acadêmica, Malama Katulwende é mais um exemplo de africanos que desejam se unir em prol do crescimento do continente.

 

 

Veja entrevista completa:

Por Flora Pereira

 

 

A sua revelação aconteceu com o romance Bitterness, que até hoje é também o livro que mais se destaca em termos de público. Como autor, o que você enxerga de particular sobre essa obra?
Se você quer saber, Bitterness é uma crítica política, cultural e social sobre o porquê alguns jovens zambianos, especialmente os universitários, estão deixando o país para ir trabalhar no exterior. É uma obra que também contrasta as tradições e os tipos de dores que essas pessoas passam. Eu acho que a temática atrai os jovens, eles se identificam. O livro é uma história de um adolescente do norte da Zâmbia muito inteligente, que consegue entrar na principal universidade do país e por isso é cercado pelas expectativas da sua família que espera que, quando formado, o jovem a sustentará. Mas por causa do colapso da economia, isso não acontece e todos se desapontam. Tanto a pressão econômica como a social o forçam a deixar o país. O livro basicamente é uma discussão que procura entender a dinâmica social que vivem os graduados aqui, pessoas que acabam indo para fora para compensar essa frustação e para procurar pastos mais verdes.

 

 

E por que Bitterness?
Bitterness é algo que é desagradável, é algo que você não quer engolir, não é doce. Eu acho que as pessoas não deveriam partir. Eu acho que as pessoas deveriam fazer o seu melhor para conseguir ficar no país e mudar as circunstâncias, porque não tem ninguém que vai fazer isso por eles. Se eu quisesse, por exemplo, eu poderia estar vivendo na Europa ou em Nova Iorque, mas eu escolhi não fazê-lo. Não porque eu não posso, mas porque eu quero fazer diferença no meu país, solucionando os problemas que existem aqui. Uma maneira de fazer isso é montar o seu próprio negócio ou montar uma organização. Eu comecei a minha empresa com duas pessoas e agora estou empregando 10. E acredito que pago bem, acima do padrão. E acho que isso dá esperanças aos jovens. Poder ver um futuro aqui. As coisas são difíceis, mas a vida é assim. Você confronta os desafios que te encaram na vida real para que você possa deixar um legado.

 

 

Como você se coloca dentro do livro?
Bitterness é uma expressão do meu desprazer de como as coisas se encontram. Quando a principal personagem do livro decide partir, eu coloco isso como uma situação tragédia. Ele advogava por ficar e fazer tudo que podia dentro da economia local, mas por causa das forças das circunstâncias, é compelido a partir. E eu quero que os leitores entendam sua dor e sintam o contraste entre as palavras de alguém e o que esse alguém eventualmente se torna.

 

 

Na sua carreira encontramos diferentes tipos de publicações, desde poesias até artigos científicos e romances épicos. Qual você definiria o seu estilo?
A minha narrativa é um mix. Algumas vezes sou poético, como em Bitterness, principalmente quando estou expressando algo no sentido tradicional, porque poesia é mais próxima às conformações rurais. Também uso poesia quando estou tentando expressar uma cena romântica. Mas o livro ao mesmo traz um estilo acadêmico quando estou falando da universidade da Zâmbia. E outros estilos em outros momentos.

 

 

Você mistura estilos no mesmo livro?
Sim, isso. De acordo com o que o contexto pede. Uma das críticas que recebi com o livro foi que ele é extremamente rico em termos de estilização. Bom, eu levei sete anos para escrevê-lo. Eu escrevia, deixava de lado, escrevia novamente. O meu novo livro “No Other Land” é essencialmente sobre como eu me descobri como artista.

 

 

Você está falando do processo criativo?
Sim, porque esse é um processo que pode ser excitante, mas também assustador. Eu quase tive um colapso nervoso quando eu descobri que eu podia escrever, ou melhor, quando eu decidi que eu ia escrever profissionalmente. Eu tinha medo. Era como viver em um mundo escuro. Eu senti um peso enorme sobre mim, e eu queria fugir. E fugi. Eu tentava dizer para mim mesmo que não queria escrever, porque existe uma dor ao fazê-lo, mas daí você se dá conta que a vida sem isso não te satisfaz. Eventualmente eu tive que aceitar que era um autor, e que eu teria que viver com isso. E por isso tive que fazer muitos sacrifícios. A estrada que escolhi é tortuosa. É muito doloroso ser um artista.

 

 

E quais foram as consequências de ter rumado por essa estrada?
Eu perdi a minha juventude, eu passei a maioria do meu tempo estudando e lendo sobre como escrever, quando provavelmente eu deveria estar saindo com uma namorada, bebendo uma cerveja, indo a uma festa dançar. Eu nunca tive essas experiências. Você sente que a sua personalidade está tunada entre a arte e o mundo, e você tem que fazer uma escolha entre os dois. O intelecto de um homem é forçado a escolher entre a perfeição da vida ou a do trabalho. Eu escolhi o trabalho.

 

Você mencionou a dificuldade emocional do processo criativo de um artista. Como foi esse percurso com Bitterness, que levou sete anos para ser escrito?
Quando eu comecei a escrever Bitterness, eu tentava jogar tudo fora. Eu tentava me iludir que a escrita podia ir embora. Quando você é artista, sente essa responsabilidade gigantesca no ombro, que te pesa o tempo todo. Seus pensamentos são exclusivamente sobre escrever, escrever, escrever. E você se pergunta, mas porque eu me sinto assim? Por que eu não posso pensar que nem as pessoas que não tem regras sobre si mesmo? Mas eu escolhi uma vida rígida, uma vida de regras. Eu preciso sentar-me à mesa, estudar. Eu preciso de silêncio ao meu redor. Quando eu estava escrevendo Bitterness, eu decidi viver no mato. Longe de qualquer cidade ou qualquer vilarejo. Algumas vezes eu chegava a ficava completamente sozinho por 30 ou 40 dias. Eu queria expressar esse tipo de experiência no meu livro sobre o que significa ser um artista e o porquê de ser uma artista.

 

 

O que mudou com o isolamento?
As experiências me fizeram entender muitas coisas. Eu nunca tinha tido tanta intimidade, por exemplo, com o fogo. Eu vivia no mato, eu tinha uma cabana e eu ficava lá sozinho escrevendo, explorando a natureza, pesquisando. E quando eu olhava para o fogo com suas flamas explodindo me despertava o senso de beleza estética, que é difícil de explicar. Quando eu olhava para as bolhas de água, eu sentia uma mágica naquilo. Eu olhava para as árvores, para a grama, para as folhas das plantas, para a natureza tudo tão de perto. A minha consciência de autor transcendeu o meio ambiente. Quando você vive na cidade, ou em um lugar com tantas pessoas, a sua sensibilidade, como autor ou como pensador, para sentir ou os sons musicais dos pássaros ou o assobiar do vento e todas essas cadências é duvidosa. É só quando você está sozinho que você consegue entender o que tem dentro de você.