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Brasil / África

Mãe Beata de Yemonjá e a força da representatividade feminina
por Kauê Vieira

 

Não existe branco no Brasil. Todos nós temos sangue negro e devemos correr atrás de nossas raízes”, Mãe Beata de Yemonjá. (Foto: Reprodução/YouTube) 

 

 

O Candomblé é uma religião de origem africana que se desenvolveu no Brasil a partir da chegada de homens e mulheres negras trazidos a força pelos colonizadores portugueses como escravos. Espalhados pelos quatro cantos do país, os terreiros ou Ilês (casa em iorubá), são verdadeiros centros de cultura e preservação da memória africana. Plural e sempre conectado com a natureza, o Candomblé recebe todos e todas independentemente da cor da pele, situação financeira ou orientação sexual, além disso a figura da mulher é fundamental na tomada de decisões e no zelo pela harmonia dos cultos.

 

 

Entre tantas mulheres notáveis, como Mãe Stella de Oxóssi e Mãe Menininha do Gantois, só pra ficar em duas, está Beatriz Moreira Costa, a Mãe Beata de Yemonjá. Filha de Maria do Carmo e Oscar Moreira, a baiana nasceu em Cachoeira – cidade do Recôncavo Baiano, em 20 de janeiro de 1931 e como a mesma não se cansa de contar, já chegou ao mundo feita no santo, como se diz popularmente.

 

 

“Minha mãe tinha muita vontade de ter uma filha. Um dia ela engravidou. Acontece que, num desses dias deu vontade nela de comer peixe de água doce. Com fome ela disse: ‘já que não tem nada aqui, vou pro rio pescar’. Ela foi e quando estava dentro d’água, a bolsa estourou. Ela saiu correndo, me segurando, eu já estava nascendo. E nasci numa encruzilhada. Tia Alafá, uma velha africana que era parteira do engenho nos levou (minha mãe e eu) para a casa e disse que tinha visto que eu era filha de Exu e Iemanjá. Assim foi meu nascimento”, conta em uma de suas passagens mais conhecidas.

 

 

Nos anos 1950, já perto dos 20 anos de idade, Mãe Beata se muda para a capital Salvador e lá o contato com a religião se intensifica. Agora estava sob os cuidados da tia Felicíssima e de seu marido Anísio Agra Pereira, filho de Logunedé e Babalorixá. Por cerca de 17 anos Mãe Beata foi sua abiã. Abiã é uma palavra iorubá que no Candomblé significa ‘aquele que começa um novo caminho’, ou seja, a pessoa está entrando em contato com o Orixá e aprendendo sobre a vida dentro dos terreiros. Com o falecimento do tio, a abiã Beata procura Mãe Olga do Alaketu, outra importante Ialorixá baiana e responsável pela iniciação de Mãe Beata no terreiro Ilê Maroiá Lájié.

 

 

Parte de uma família com conceitos patriarcais, casada e com quatro filhos, Beata sempre foi vista como uma mulher de vanguarda. Ao mesmo tempo em que se dedicava ao Candomblé, fazia curso de teatro amador e também participava de grupos folclóricos. Mesmo com esta visão de mundo, enfrentou um dos maiores problemas da sociedade brasileira da época e que ainda persiste nos dias atuais, o machismo. O casamento com Apolinário Costa não dava certo e cansada dos desmandos do marido resolve fazer as malas e rumar para o Rio de Janeiro com seus filhos em 1969. Naqueles tempos uma mãe divorciada não era vista com bons olhos.

 

 

 

Há mais de 30 anos, Mãe Beata de Yemonjá abriga em seu terreiro diversos encontros e debates sobre a cultura negra e pela importância do feminismo. (Foto: Reprodução/YouTube)

 

 

Assim como muitas outras mulheres nordestinas que migraram para o Sudeste em busca de melhores condições de vida, Mãe Beata fez de tudo na capital fluminense. Foi empregada doméstica, costureira, manicure, pintora, artesã e até figurante de novelas da TV Globo. Os obstáculos foram superados sempre com a religião como companheira. Em 1985 funda no bairro de Miguel Couto, na Baixada Fluminense, a Comunidade de Terreiro Ilé Omiojúàrò (Casa das Águas dos Olhos de Oxóssi), onde ocupa o cargo de Ialorixá. Para ter a permissão de ser chamada de Mãe, Beata recebeu direto de Salvador Mãe Olga de Alaketu, responsável por outorgar sua filha de santo. Começava ali o uso da casa de Candomblé como espaço de cultura, resistência e cidadania da população afro-brasileira.

 

 

“Não existe branco no Brasil. Todos nós temos sangue negro e devemos correr atrás de nossas raízes”, enfatiza.

 

 

Há mais de 30 anos, Mãe Beata de Yemonjá abriga em seu terreiro diversos encontros e debates sobre a cultura negra e pela importância do feminismo, demonstrando a força do Candomblé como instrumento social e de inclusão. O Ilé Omiojúàrò sediou eventos como o ‘Terceiro Encontro Regional da Tradição dos Orixás’, em 1987; o lançamento do projeto social ‘Ação e Viver’, que viabilizou a participação de jovens carentes da região e os integrou a comunidade do terreiro; o ‘Fórum de Debates Cidadania x Violência’, em 1994, além do projeto ‘Comunidade Solidária’, que capacitou profissionalmente jovens carentes da Baixada com conhecimentos na área de informática e muitos outros.

 

Pelo incansável trabalho social Mãe Beata recebeu diversas homenagens ao longo da vida, como o ‘Diploma de Personalidade de Destaque da Comunidade Negra’ e ‘Moção Honrosa e Congratulação pela Militância e Resistência da Cultura, Religião, Cidadania e Dignidade da População Afro-Brasileira’, na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. A Ialorixá também foi agraciada com a ‘Medalha de Mérito Cívico Afro-brasileiro’, homenagem da Universidade da Cidadania Zumbi dos Palmares de São Paulo, participou da abertura do Rock in Rio de 2001 e em parceria com a ONG Criola desenvolveu projetos para a saúde e direitos das mulheres negras.

 

 

A escrita foi outro canal de comunicação encontrado por Mãe Beata para falar sobre Candomblé e direitos humanos. Ao todo são cinco livros publicados ao longo de 84 anos de vida, ‘Caroço de Dendê’, ‘Sabedoria dos Terreiros’, ‘Tradição e Religiosidade’, ‘O Livro da Saúde das Mulheres Negras’ e ‘As Histórias que Minha Avó Contava’. Talvez o maior reconhecimento de sua dedicação veio em 2015 com o tombamento pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) do Ilé Omiojúàrò. O terreiro foi reconhecido como peça fundamental na preservação dos saberes e valores da cultura africana e da ancestralidade por meio da produção de documentários, organização de saraus e palestras.

 

 

“Sou de uma religião em que o tempo é ancestralidade. A fruta só dá no seu tempo, a folha só cai na hora certa”, Mãe Beata de Yemonjá.