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Termos consciência de quem somos é o primeiro passo para entendermos e buscarmos nosso lugar no mundo, assim como a relação que temos com tudo (e todos) que nos cerca(m). Em Histórias da Preta, conhecemos por meio das observações e percepções da protagonista um pouco sobre a África e a identidade afro-brasileira. Na primeira parte do livro, Preta, uma menina brasileira, descendente de africanos e europeus, se apresenta e reflete sobre si e o modo como se vê e como é vista pelos outros, sobre as “etiquetas” que recebemos (“afro” e “euro”) e as diferenças e semelhanças entre as pessoas.
É tocante vê-la refletir sobre a cor da sua pele e concluir que não é preta nem branca, e sim ‘marrom’: “E fui aos poucos descobrindo que eu era a Preta marrom, uma menina negra. (…) ser negro é muito mais do que ter um bronze na pele.” Convivendo com a família e com os amigos, ela não para de pensar sobre todas essas questões, seja pelo carinho que recebe da tia e da avó, seja pelo modo mais duro como entende que outras pessoas a veem e percebem: enquanto a família a cerca de cuidados, ouve e dá respostas para suas dúvidas, as outras pessoas a evitam ou a julgam de maneira preconceituosa.
Nos seis capítulos seguintes, conhecemos algumas histórias sobre a África, sobre o candomblé e sobre os africanos que vieram ao Brasil como escravos, além de algumas considerações sobre o preconceito que assola a sociedade brasileira, não se restringindo ao racismo contra os negros, mas de todas as culturas que formam a população do país. A “obrigação” que os japoneses têm de ser inteligentes, por exemplo, está entre as astutas observações da protagonista.
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A cultura africana aparece em pequenas porções, de modo a captar a atenção dos leitores, os deixando com vontade de conhecê-la mais e melhor. O texto segue deixando claro que o continente é vasto e repleto de diferenças culturais e sociais e que as várias etnias que lá habitam têm suas características e rituais próprios: “E são muitas Áfricas! E todas elas muito coloridas”. Preta, inclusive, pensa sobre isso e se pergunta sobre a sua origem: se a África é, na verdade, muitas Áfricas, de qual ela descende? Seu passado veio para o Brasil com quais etnias africanas? Que África(s) ela traz consigo?
Como não poderia deixar de ser, há menção à tradição dos griots, contadores de histórias. Afinal de contas a oralidade é fundamental para a manutenção das histórias transmitidas de uma geração a outra: “Mas a história mais legal sobre a África é sobre os seus contadores de histórias, que não escrevem nenhuma delas: guardam todas na memória e depois recontam. Eles aprendem essa arte desde pequenos, com os mestres, e acompanham os feitos das famílias, dos reis, aumentando e enriquecendo a história de todos os seus antepassados. Uma história que as pessoas aprendem a conhecer assim: ouvindo histórias.”
Junto com as ilustrações de Laurabeatriz, o texto de Heloisa Pires Lima, psicóloga e cientista social, nos remete, ao mesmo tempo, ao nosso lugar e à nossa sociedade, mas também a uma cultura rica que ainda precisamos (re)conhecer e respeitar. É um convite para percorrermos os caminhos que ligam o Brasil à África, em todos os sentidos e em todas as instâncias.
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Escrito de forma singela, para efetivamente chegar às crianças, seu público principal, este livro aprofunda questões identitárias, culturais e sociais, levando os leitores – grandes e pequenos – a refletirem sobre os temas que Preta pondera ao longo da narrativa. O livro Histórias da Preta nos faz ir além do óbvio, observando com seriedade e responsabilidade a realidade em que estamos inseridos, além de nos presentear com Preta, nossa guia que, mesmo criança, não perde a chance de questionar o mundo para melhor entendê-lo e entender-se.
Histórias da Preta
Texto: Heloisa Pires Lima
Ilustrações: Laurabeatriz
Editora: Cia. das Letrinhas (1998)
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Fabiana da Cunha Medeiros é professora de Português e há anos se dedica à área de literatura infanto-juvenil. Mensalmente, apresentará aqui no Afreaka resenhas de livros com temática afro-brasileira.
Contatos: fabiana_cunham@yahoo.com.br ou www.facebook.com.br/brincadeirasliterarias.