Pierrot Men/Reprodução Facebook Oficial
Linhas de guitarra num fundo ondulado pela percussão destacam a voz cortante de Lala Njava em Malagasy Blues Song, o primeiro álbum solo da artista que vem lutando pelos direitos das crianças, das mulheres e contra o desmatamento de seu país natal.
Nascida em 1958 em Vohipeno, uma comunidade rural no sudeste de Madagascar, e criada em Morondava, no sudoeste da ilha, Lala cresceu num caldeirão de influências culturais. Essa mudança de direções a colocou em contato com o Antsa e o Beko, dois estilos vocais da região sudoeste de Madagascar, que influenciaram fortemente sua obra.
O Antsa é utilizado em cerimônias espirituais e é marcado pela presença de duas vozes, quatro ou cinco músicos e um marovany, instrumento da região que se assemelha a uma cítara com cordas de aço. Já o Beko, também um cântico espiritual cantado em funerais para honrar a vida do falecido, segundo Lala seria o “blues” de Madagascar, trazendo por vezes mensagens nostálgicas.
A aprendizagem sobre os estilos ocorreu principalmente com a companhia de Mama Sana, cantora e performer que ganhou fama por reinventar técnicas com a vahila, considerado o instrumento nacional de Madagascar. Elas moravam no mesmo bairro, assim o contato com a voz e a áurea mágica de Mama funcionaram como um conservatório para Lala. Além das influências locais, Lala também considera Miriam Makeba, Aretha Franklin, Ike & Tina Turner, mentoras de sua música.
Com oito irmãos e sete irmãs, todos ligados de alguma forma ao meio musical, não demorou muito para que uma banda familiar se formasse. Nos anos 70, surgiu a Lucka-Razha que, influenciada pelo estilo Antsa, conseguiu marcar sucessos nacionais tendo por vocais Lala e sua irmã Monika. A banda se dissolveu, Madagascar passou por complicações econômicas na década de 1980 e Lala se mudou para a capital Antananarivo para trabalhar como professora, mas não deixou de tocar.
Linhas de guitarra num fundo ondulado pela percussão destacam a voz cortante de Lala Njava em Malagasy Blues Song. (Foto: Divulgação)
Na década de 1990, os irmãos se juntaram novamente e formaram a banda Njava, com a qual ganharam o Premio Découvertes da Radio France Internationale (RFI), firmando um contrato com a empresa fonográfica EMI. Com isso, eles passaram a girar o mundo com a sua música, desenvolvendo ume estilo inédito no cenário musical.
O grupo formado por Dozzy, guitarrista, cantor, compositor e produtor; Papa na bateria; Maximin no baixo; Monika e Lala nos vocais, gravou dois CDs para a EMI: Vetse e Source, e além do prêmio da RFI, conquistaram também a Voz da Ásia e Womex. Ao mesmo tempo, Lala começou outro projeto se juntando à banda etnica eletrônica Deep Forest na elaboração do CD Comparsas, também premiado.
Seu disco solo veio duas décadas depois. A voz grave converte-se em blues engajado contra o desmatamento, as injustiças sociais e na luta pelos direitos das mulheres e crianças de Madagascar. Ainda, com as suas irmãs Monika e Nicole, fundou a Dames d’Amour, uma organização não governamental a fim de apoiar as crianças e mulheres. Uma das ações da ONG foi abrir uma loja na Bélgica onde vendem artesanato do país de origem, ajudando as comunidades a construir novas coberturas para as escolas ou poços de abastecimento de água.
Lala também dedica parte da venda do novo álbum para a preservação das florestas através da organização Graine de Vie, que exerce atividades como plantio de árvore e conscientização dos extrativistas locais com o objetivo de manter os recursos básicos para que o abastecimento da comunidade local e dos animais em perigo de extinção permaneça, como os lêmures que habitam as zonas rurais do país.
Em entrevista, Lala diz que, enquanto artista, sente ser um dever transmitir mensagens políticas. Nesse sentido, a sua ferramenta seria a música e as mensagens que expressa através dela, tentando assim canalizar seu reconhecimento para despertar consciência acerca de situações que ocorrem em Madagascar.
O álbum de estreia, intitulado Malagasy Blues Song, revela a complexidade da voz de Lala e fundamentando-se na música de Madagascar, conta com elementos de trance, afrobeat e blues. Régis Gizavo, famoso acordeonista de Madagascar, contribuiu para o arranjo das músicas. Pierrot Man, fotógrafo premiado, ilustra as letras e as fotos do álbum. Os irmãos Maximin, Pata e Dozzy são os músicos do CD atuando na escrita, arranjos e produção.
A guitarra que permanece por baixo da voz marcante da cantora lembra os instrumentos que dominam a música de Madagascar, como a vahila e o Marovany, e a melodia é marcada com batidas graves de tambores que vão ondulando nos ouvidos. Um álbum de canções profundas, muitas vezes usando a melancolia de uma infância feliz e do amor pelos pais, alinha uma variedade de sons, experiências e desejos que costuram a vida de Lala Njava. Segundo ela, “Malagasy Blues Song é a cor da minha vida”.
Para ouvir um pouco de sua obra, a música Voatse: