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Brasil / África

Irmandade de luta – a ação dos coletivos negros nas universidades
por Mariana Moreira

 

 

O período de graduação marca a etapa em que o estudante constrói seus referenciais futuros que o nortearão na fase adulta. São eles, inclusive, que o auxiliam na interpretação da sociedade e no autoconhecimento. Neste contexto, as universitárias Thaís Regina Santos, Lívia Martins e Julia Drummond sentiram a necessidade de um espaço de construção do protagonismo dos negros e de suas narrativas, surgindo daí os grupos AfriCásper e Coletivo Oxê como iniciativas que ajudam na afirmação da identidade negra no ambiente universitário.

 

 

Estudante do terceiro ano de jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, Lívia queria reivindicar um espaço de diálogo na faculdade que evidenciasse os estudantes negros que nela estão. “A minha família sempre me ensinou a importância de militar e, no meio acadêmico, isso é muito difícil. Encontrar negros na Cásper, então, nem se fala! A minha vontade era criar algo como “ei, estamos aqui, nós existimos também, queremos falar”, explica a jovem. Outras amigas se identificaram com o projeto e, graças ao incentivo de um professor em sala de aula, o AfriCásper nasceu um ano depois.

 

 

As atividades do grupo são recentes, mas já renderam pautas como a representação da mulher negra na mídia, a exemplo do seriado Sexo & As Negas da Rede Globo. Na página no facebook, eles compartilham textos e fomentam discussões sobre as culturas negra e afrodescendente, sempre trazendo para si o protagonismo de sua própria história. Sobre isso, Lívia explica: “Queremos trazer a história que os livros não querem contar, a nossa historia e, dentro disso, trabalhar a África. Ela está associada a nós, é a nossa raiz. Jamais podemos trabalhar sem lembrar Dela”. O grupo recepcionou os calouros deste ano com atividades que propunham discussão de filmes que retratavam a discriminação racial e, semanalmente, fazem rodas de discussão sobre temas que variam do racismo ao empoderamento dos negros.

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A falta de frentes que trouxessem a representatividade negra à tona também era uma realidade na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Ano passado, em meio à semana do evento Colorindo a Faculdade de Negra, surgiram as primeiras trocas de ideias que impulsionariam a formação do Coletivo Oxê. “Foi a partir destas conversas que eu comecei a questionar sobre mim e a minha etnia, mas só me enxerguei enquanto negra com o coletivo”, conta a estudante recém-formada Julia Drummond.

 

 

Assim como Julia, outros estudantes da USP negros e negras tiveram a oportunidade de, pela primeira vez, se conhecerem e assumirem sua etnia. A partir desta interação, veio o ânimo para a criação do grupo. No final de janeiro, eles se reuniram para discutir as principais pautas a serem desenvolvidas no decorrer do ano. Entre elas, a organização de eventos internos e de reuniões que discutam temas como a identidade negra e a autoafirmação.

 

 

O poder de se aceitar vem com o tempo e, dificilmente, está dissociado de dificuldades. Thaís Regina, por exemplo, tem a pele mais clara e, mesmo não sendo considerada negra por outras pessoas, sofria discriminação. “Demorei muito pra aceitar meu corpo e eu como sou, e acho que estou em um processo de desconstrução, quando consegui falar “sou negra” recebi de muitas pessoas brancas “é nada”. Duvidei muito, mas agora eu não duvido mais. E isso é incrível. O empoderamento que o AfriCásper me deu foi a irmandade”.

 

 

Da identificação, vem a luta. E da luta, o desejo de protagonismo de uma história que lhes diz respeito e nunca foi devidamente contada. “Falam de Zumbi e só. Mas e Dandara? Luís Gama ? A última coisa que lembram é que Machado de Assis era negro. Castro Alves só aparece com o poema do Navio Negreiro, ele fez mais pelo país”, relembra Lívia. Julia complementa: “A história sempre foi contada pelos brancos. A gente tem mais condições de explorar os pontos de vista históricos sob o viés dos negros e fazer o link com os dias de hoje. Muitas coisas, como os efeitos da ascensão social sobre os negros, só são entendidas pela gente, porque a maioria de nós ou ainda é pobre ou veio de família que ascendeu há pouco tempo, há 1 geração, por exemplo”.

 

 

A juventude negra já entendeu que as universidades devem ser tomadas por ela. Tomadas no sentido de pertencimento, de se integrar naqueles que têm de ser o espaço de troca de ideias e do fomento à pluralidade, às diferenças. Para reafirmar este direito e pensar em alternativas para a criação da identidade negra dentro das escolas de ensino superior, coletivos negros de São Paulo se reuniram no sábado para o Primeiro Encontro de Estudantes e Coletivos Universitários Negros, que aconteceu no sábado na UESP – União das Escolas de Samba Paulistanas, na Bela Vista. Se depender da juventude negra, um novo capítulo está a ser construído dentro das universidades e ele, desta vez, não será embranquecido.