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África do Sul

Infoshop bolo’bolo: Anarquista, vegano e sul-africano
por Nathalia Marangoni

 

 

Mistura de livraria com cafeteria, o infoshop bolo’bolo é ponto de referencia para anarquistas e alternativos da Cidade do Cabo. Localizado na Lower Main Road, no bairro de Observatory, o dinâmico empreendimento foi idealizado pelo anarquista sul africano Aragorn Eloff com o apoio de um coletivo anarquista.

 

 

O espaço tem como objetivo oferecer à população alimentação vegana com preço justo e, acima de tudo, promover um ambiente libertário onde as pessoas podem se unir e discutir formas de melhorar o mundo. Em conversa com o Afreaka, Aragorn conta mais sobre o bolo’bolo e a importância de criar espaços autônomos na África do Sul e no mundo.

 

 

 

 

Como o bolo’bolo começou?

Em 2010/11 minha ex-parceira e eu viajamos ao redor do mundo filmando um documentário sobre anarquismo (que ainda não foi concluído). Uma das coisas mais inspiradoras para nós em nossas viagens era quando visitávamos infoshops e espaços autônomos e nos encontrávamos com os coletivos que geriam eles. Quando voltamos para a África do Sul, nós decidimos abrir nosso próprio espaço radical. No primeiro ano em esteve aberto nós o gerenciamos juntos. Então, minha ex decidiu voltar para Berlim e eu decidi fechar o espaço. Eu anunciei o fim das atividades para um grupo anarquista de leitura que fazia reuniões semanais no local e, juntos, nós formamos um coletivo de quatro pessoas e abrimos um novo espaço.

 

 

Esse novo espaço – o bolo’bolo – existe há 2 anos e hoje está situado na avenida principal do Observatory, uma parte bastante eclética da Cidade do Cabo: ela é em parte boemia, em parte vítima da gentrificação; em parte um refúgio para pessoas com vícios em drogas e problemas psicológicos e em parte um caldeirão (“melting pot”) de imigrantes – tanto aqueles que estão procurando escapar das condições de outras partes da África como também aqueles que vêm do norte do mundo para passear, estudar e participar de lutas sociais.

 

 

Nosso coletivo é composto hoje por nove pessoas e expandimos nossa atuação para nos tornarmos uma pequena editora também. Ajudamos ainda a sediar uma feira anual de livros e temos muitos planos para o próximo ano.

 

 

 

 

Qual é a importância de criar espaços como o bolo’bolo?

Infoshops/espaços radicais reúnem anarquistas e criam um senso de comunidade radical. Em todos os lugares que visitei, aqueles que tinham um ou mais espaço amigáveis para anarquistas pareciam ter também uma maior, mais forte e mais duradoura rede de pessoas antiautoritárias.

 

 

Além de servirem como hubs de gestão para várias formas de ativismo e luta, eles também são ótimos para compartilhar ideias anarquistas com pessoas que não costumam ter acesso a elas. Porque fizemos um esforço consciente de não sermos muito subculturais, muitas pessoas “comuns” visitam o espaço para coisas inócuas como tomar café e lanchar. É comum que isso sirva como um pretexto para nos engajarmos com elas sobre problemas relevantes e, assim, pessoas que passam por aqui por cinco minutos para tomar um rápido espresso acabam ficando por horas e levando para casa literatura sobre anarquismo, libertação da terra, gênero/sexualidade, raça, teoria queer e outros temas que elas não costumariam encontrar em outro lugar.

 

 

Na verdade, todas as nove pessoas envolvidas em nosso coletivo eram originalmente visitantes curiosos do bolo’bolo que buscavam saber mais a respeito e encontrar pessoas que entendessem sua tristeza e raiva e que enxergassem, como eles, a opressão e a injustiça no mundo e não quisessem mais seguir em frente ignorando-as.

 

 

Como foi a reação dos clientes no começo?

No começo, muitos dos residentes da área não nos entendiam e criavam todos os tipos de rumores estranhos sobre o que éramos e porque estávamos ali. Com o tempo, porém, como éramos receptivos e não os julgávamos, muitos deles vieram até nós com perguntas sobre anarquismo, veganismo. A maior parte dessas pessoas atualmente entende o que somos e apoiam nossas ações.

 

 

 

 

Quais são as principais atividades culturais que acontecem no local?

Nós organizamos semanalmente uma sessão de cinema – costuma ser um documentário ou um filme relevante sobre arte – seguida por uma discussão crítica sobre o que assistimos. Nós também temos frequentes bate-papos, oficinas, discussões abertas e lançamentos de livros. Há shows de vez em quando e também é comum ver um grupo ativista alugando o espaço para usá-lo para trabalhar por alguns dias.

 

 

Qual é a missão do bolo’bolo?

Nossa missão é multifacetada. Primeiro, a de compartilhar ideias anarquistas e radicais na Cidade do Cabo e além. Segundo, prefigurar, por meio de nossas práticas diárias gerenciando o local como um coletivo e interagindo com aqueles que o compartilham conosco, o que o anarquismo se parece. Terceiro, servir como um hub para outros grupos anarquistas e radicais que precisam de uma sede.  Quarto, experimentar e explorar possibilidades sobre o que significa se unir e viver em um modo oposto à lógica de toda a cultura ao redor.

 

 

O que você costumava fazer antes de fundar o bolo’bolo?

Eu sempre estive envolvido em vários projetos criativos e não comerciais – festivais de contracultura, fanzines, música experimental, outros grupos e espaços anarquistas, fazendo um documentário sobre anarquismo, sendo diretor da sociedade vegana da África do Sul, trabalhando com o Institute for Critical Animal Studies como um de seus diretores locais, realizando conferencias, ajudando feiras de livros etc. Eu passei muito tempo reorganizando minha vida e minhas prioridades para que eu pudesse me focar em combater o capitalismo, o Estado e todas as formas de hierarquia e dominação sem ter minha energia drenada por empregos, dívidas, consumismo, entre outras coisas. Isso não é sempre fácil, então é claro que às vezes eu preciso trabalhar, construir websites, desenvolver o design de mídias impressas ou programar aplicações. Porém, eu tento gastar pouco tempo fazendo isso, assim consigo manter meu entusiasmo para projetos revolucionários.

 

 

 

 

A proteína animal é comum na gastronomia sul africana. É difícil manter um dieta totalmente vegana ou vegetariana no país?

Como em vários países, a maior parte da população sul africana come carne e produtos animais são vistos com ambição pelas pessoas mais pobres. A carne é um sinal de riqueza e poder, o que é muito triste. Contudo, é muito fácil ter uma dieta vegana balanceada na África do Sul, mesmo que você não tenha muito dinheiro (embora haja muito veganismo burguês – restaurantes veganos muito caros e produtos exclusivos que apenas pessoas muito ricas podem consumir). A maior parte da soja aqui é geneticamente modificada, então é melhor ficar longe dela.

 

 

Em uma entrevista, você disse que o número de vegetarianos e veganos cresceu na África nos últimos anos. Como os restaurantes sul africanos e outros negócios de alimentação têm recebido essa clientela?

Os supermercados na África do Sul estão muito amigáveis para veganos atualmente – existem etiquetas em tudo e várias marcas de leite de soja, carnes falsas e outros produtos. Os donos de restaurantes conhecem o veganismo e costumam oferecer pelo menos uma ou duas opções em seu cardápio. Também existem alguns restaurantes totalmente veganos, o primeiro foi o Earth2, que eu e e um amigo abrimos em 2006 e gerenciamos por quase 2 anos.

 

 

Quando você começou a se identificar como anarquista?

Pensei em mim mesmo como anarquista há pelo menos 20 anos, provavelmente quando eu tinha por volta de 16 anos. Contudo, além de algumas fanzines e um par de livros, eu apenas realmente comecei a me conectar com a comunidade internacional e pesquisar o assunto devidamente há uns 10 anos. Antes da internet era muito difícil aprender sobre essas ideias na África do Sul, especialmente por causa da censura que acontecia durante o apartheid.

 

 

 

 

Você também disse em um entrevista que o anarquismo costuma ser mal interpertado pelas pessoas. Qual é a sua interpretação pessoal do anarquismo, especialmente depois de viajar pelo mundo para realizar um documentário sobre o tema?

Eu poderia escrever um livro sobre isso! A versão mais reduzida, no entanto, é que o anarquismo é um conjunto de práticas revolucionárias e prefigurativas que os anarquistas realizam com o objetivo de chegar à anarquia: uma vida em que no lugar das relações sociais de hierarquia, exploração e dominação que são tão endêmicas hoje (do capitalismo para o Estado em todas as suas formas, à supremacia branca, à heteronormatividade, ao patriarcado, ao especicismo, ao humanismo iluminista que nos vê separados e acima da natureza) nós viveríamos juntos como pessoas livres e iguais, praticando voluntariamente a ajuda mútua, a solidariedade, a compaixão e o cuidado com o outro, a fim de cultivar o que é melhor em cada um de nós e viver em uma harmonia dinâmica com as teias ecossistêmicas complexas em que estamos capturados.

 

 

 

 

Você também disse em uma entrevista que o bolo’bolo foi criado como um espaço onde as pessoas se reúnem para discutir formas de mudar o mundo. Quais são as atitudes mais simples que alguém pode tomar para fazer isso?

Essa é uma pergunta muito fácil, mas deve ser respondida por cada pessoa por si só, levando em conta o lugar em que elas estão e os entendimentos e capacidades únicas que a definem. O que eu posso dizer, no entanto, é que é muito mais fácil de fazer isso coletivamente do que sozinho, então encontre aqueles que sentem o mesmo que você e que têm coragem de admitir isso e faça algo a respeito. Juntos, somos mais fortes do que imaginamos, então encontre outras pessoas!

 

 

E, como a CrimethInc diz, para mudar tudo, comece de qualquer lugar. J

 

 

Curiosidade:

O nome bolo’bolo vem do título de um dos livros preferidos de Aragorn, que descreve um mundo sustentável baseado em pequenas comunidades. Segundo ele, é também uma piada na antropologia sobre um lugar em que nenhuma das regras costumeiras se aplica.