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Brasil / África

Escritora negra Jarid Arraes fala sobre sua obra e influência nordestina
por Bianca Elias

 

“Me considero tão representante quanto todas as outras mulheres negras que estão na labuta do cotidiano e se expressam pela escrita, pelas artes.” (Foto: Reprodução)

 

 

É por meio da rima e da cultura popular que a escritora Jarid Arraes, cearense de Juazeiro do Norte, consegue naturalizar temas ainda tabus como o racismo, a homossexualidade e a violência contra mulheres. Filha e neta dos cordelistas, Jarid mantém viva a tradição que marcou sua infância, mas dá ao cordel um tom a ele pouco associado: de luta e engajamento político.

 

 

Desde o seu primeiro título, Dora, A Negra e Feminista, Jarid assumiu a missão de não apenas representar, mas de dar alma e voz a grupos excluídos da literatura brasileira, e hoje a escritora é uma forte atuante na luta dos direitos raciais e da diversidade de gênero. Com apenas 25 anos, é colunista da revista Fórum, autora de mais de 40 títulos em cordel, estudante de psicologia e feminista. Ainda, Jarid Arraes recentemente publicou As Lendas de Dandara, livro imensamente importante para o enaltecimento histórico de nossas mulheres negras e guerreiras: são dez contos ficcionais sobre a quilombola Dandara dos Palmares, conhecida como companheira de Zumbi dos Palmares.

 

 

Em entrevista exclusiva ao AFREAKA, Jarid relata a importância do cordel e da sua preservação como forma de resistência sociocultural:

 

 

AFREAKA: Você vem de um contexto de tradição cordelista. Qual foi o momento em que sentiu impulso para publicar seu primeiro cordel? Quando foi isso?

 

 

Jarid: Senti necessidade de manter viva a tradição da minha família e honrar a arte do meu povo: essa foi a minha maior motivação. Mas sempre pensando em criar personagens mais diversos, diferentes dos que eu estava habituada a ler e encontrar não só nos cordéis, mas na literatura como um todo. Há mais ou menos quatro anos tive uma conversa com meu pai sobre minha preocupação em ver a tradição do cordel morrer, e ele me deu todo apoio para que eu escrevesse minha primeira obra. Eu achava que não ia conseguir, mas foram muitos anos lendo cordel, desde muito criancinha, ouvindo a melodia dos versos, o ritmo, as rimas, então as palavras saíram de forma muito fluida. Sempre amei a literatura de cordel, as xilogravuras que meu avô e meu pai faziam enquanto eu crescia, então manter viva essa tradição é uma alegria imensa para mim.

 

 

AFREAKA: Quantos cordéis já foram publicados até hoje?

 

 

Jarid: Até o momento, tenho 40 títulos publicados em cordel e mais 20 que estão esperando para serem lançados no próximo mês.

 

 

AFREAKA: Os seus cordéis costumam abordar temas como a comunidade negra, questões de gênero e o feminismo. Considerando que a produção e o consumo cordelista estão vinculados a uma tradição conservadora, qual foi o público que você pretendia atingir inicialmente? Esse público continua o mesmo hoje?

 

 

Jarid: Quando decidi publicar meus primeiros cordéis, não pensei em atingir apenas um tipo de público; embora muitas pessoas tenham valores mais conservadores ou até mesmo preconceituosos, eu sempre acreditei que é possível mudar essa realidade com boas informações, com uma educação de qualidade. Lancei meus cordéis com a intenção de apresentar novas histórias para quem estava acostumado a ler o cordel debochando das pessoas negras, dos gays, das mulheres, e também pensando em apresentar a literatura de cordel para quem ainda não conhecia. E esse meu desejo deu muito certo porque as pessoas que procuram meus cordéis são muito diversas: tem gente que chega porque já lia cordel e achou meus títulos interessantes e tem gente que chega porque considera os temas necessários. A maior parte das pessoas que compram meus cordéis e apoiam meu trabalho são professores e educadores; todos os dias recebo muitos e-mails de professores que usam meus cordéis em sala de aula e isso é profundamente gratificante.

 

 

 

Jarid Arraes recentemente publicou As Lendas de Dandara, livro imensamente importante para o enaltecimento histórico de nossas mulheres negras e guerreiras. (Ilustração: Aline Válek)

 

 

AFREAKA: O seu sucesso está vinculado, entre muitas razões, à representatividade dos negros, das mulheres e da comunidade LGBT na literatura, comumente excluídos da mesma. Quais são os títulos mais procurados?

 

 

Jarid: Os títulos mais procurados são os da coleção de grandes mulheres negras da história do Brasil, que são os cordéis que contam as histórias de mulheres como Dandara dos Palmares, Antonieta de Barros e Carolina Maria de Jesus. Outra coleção muito procurada é a de cordéis infantis: neles eu conto histórias com personagens crianças que superam desafios e preconceitos, como uma garotinha gorda que queria ser bailarina, uma menina que gostava de jogar futebol e também a história de uma princesinha negra de cabelo crespo que descobre que seus fios são mágicos. É uma forma divertida e bonita de abordar assuntos que muitas vezes são difíceis.

 

 

AFREAKA: Você é considerada uma representante da luta negra e feminista. Como trilhou esse caminho para chegar até aqui?

 

 

Jarid: Me considero tão representante quanto todas as outras mulheres negras que estão na labuta do cotidiano e se expressam pela escrita, pelas artes. Para mim seria impossível não trazer temas como esses para meus trabalhos, porque eles fazem parte de quem eu sou e de como enxergo o mundo. Na verdade, temos tão poucas protagonistas negras nos livros, sobretudo naqueles que alcançam bastante sucesso, que a simples presença de uma personagem principal negra já é um ato de representação, de mudança.

 

 

 

Me considero tão representante quanto todas as outras mulheres negras que estão na labuta do cotidiano e se expressam pela escrita, pelas artes. (Ilustração: Aline Válek)

 

 

AFREAKA: Nos conte mais sobre o seu trabalho recente, As Lendas de Dandara. Qual a importância dessa publicação?

 

 

Jarid: Em As Lendas de Dandara eu usei algumas informações um pouco mais conhecidas sobre Dandara dos Palmares, que é contada como esposa de Zumbi dos Palmares, e criei uma história ficcional; foi uma tentativa de tornar mais conhecida uma grande mulher negra que merece ser pesquisada, que merece ser mencionada e tomada como exemplo de coragem e liderança. Quando ouvi falar de Dandara, quis dividir esse conhecimento com outras pessoas; depois de alguns meses, publiquei na revista Fórum o texto “E Dandara dos Palmares, você sabe quem foi?” e recebi muitos comentários que questionavam a real existência da guerreira. Em alguns, diziam que Dandara não era nada mais do que uma lenda. Então decidi criar As Lendas de Dandara, pois nem mesmo lendas nós encontrávamos a seu respeito. Agora nós temos!

 

 

É muito importante para mim ter esse livro publicado, pois cresci sem que garotas e mulheres negras aparecessem no entretenimento e na literatura como mulheres que conquistaram grandes coisas, que realizaram feitos que merecem ser lembrados, eu só via as pessoas negras – como eu – retratadas de maneira desimportante, sem destaque, sem que fossem personagens com protagonismo na literatura, e isso fez diferença na minha formação e no meu próprio reconhecimento como negra. Somente quando comecei a entender a história dos meus ancestrais, que eu aprendi sobre o continente africano, sua diversidade, suas contribuições para a humanidade, foi que percebi que eu também era fruto desse povo, que eu poderia e deveria sentir orgulho das minhas raízes e que minhas características físicas também eram parte dessa história.

 

 

Esse livro é o resultado de muitos anos buscando por grandes mulheres negras em quem eu pudesse me espelhar. Dandara, que tem sua existência cercada de controvérsias, é um excelente exemplo de quem foram essas mulheres negras do passado, que lutaram e fizeram tanto para que hoje eu pudesse escrever e publicar livros e cordéis.

 

 

Também é imprescindível dizer que ainda precisamos de referências para as crianças negras, pois na grande mídia e nas escolas a história e a cultura afrobrasileira são muito negligenciadas. Eu espero que As Lendas de Dandara possa chegar a muitas pessoas, crianças e adultos, e que faça uma real diferença para além de ser uma leitura, mas que cause impactos positivos na autoestima dessas pessoas e na forma como as pessoas negras são vistas em nossa sociedade.

 

 

AFREAKA: Como os interessaos pela sua obra podem adquirir suas publicações?

 

 

Jarid: As Lendas de Dandara pode ser comprado pelo site www.aslendasdedandara.com.br. E os cordéis podem ser comprados pelo www.jaridarraes.com/cordel – basta enviar um email para cordeljarid@gmail.com com os títulos desejados (todos disponíveis no link). Cada apoio é profundamente importante para mim.