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Nigéria

Documentário celebra ativismo e obra de Fela Kuti
por Kauê Vieira

Finding Fela é dirigido pelo vencedor do Oscar Alex Gibney (Foto – Reprodução)

 

 

Não existe ninguém melhor para representar a diversidade cultural e inventiva da África do que o músico revolucionário e ativista nigeriano Fela Kuti, cantor considerado o precursor do afrobeat. Nascido em uma família de classe média, o africano estudou medicina na Inglaterra e se aproximou dos Panteras Negras durante visita aos Estados Unidos. Morto em 1997, vítima do vírus HIV, Fela é dono de uma das biografias mais importantes do século passado. Chamado carinhosamente de “presidente negro” por seus conterrâneos, ele deixou um enorme legado artístico e político que agora é retratado no documentário Finding Fela, idealizado pelo vencedor do Oscar Alex Gibney. Lançado em janeiro de 2014, no festival de Sundance, em Utah, nos EUA, o longa é inspirado no musical da Broadway Fela! e apresenta os principais momentos da vida pessoal e profissional do cantor.

 

 

 

Abusando das imagens de arquivo e das marcantes performances ao vivo do artista, a história mira os anos 1970 e 80, tempo em que Kuti corajosamente enfrentou o rigoroso regime militar que tomava conta da Nigéria. Para entender melhor o conflito é preciso voltar no tempo, especificamente para janeiro de 1996, mês do golpe militar, que comandado por Chukwuma Nzeogwu e um grupo de majores, derrubou o então primeiro-ministro Alhaji SirAbubakar Tafawa Balewa. Com isso, o Major General Johnson Aguiyi-Ironsi foi feito Chefe do Governo Militar Federal da Nigéria; mas, seria em seguida deposto e assassinado em um novo golpe de Estado e sucedido pelo general Yakubu Gowon, que manteve o poder até 1975.

 

 

O documentário narra a a história do músico e ativista político nigeriano. 

 

 

Paralelamente ao jogo político, Fela Kuti, ao todo detido 200 vezes pela polícia, sobretudo por motivações políticas, passava por um dos momentos mais efervescentes de sua carreira e era apontado como um dos artistas mais inventivos do planeta. Ativista contra a corrupção e em prol dos direitos humanos, ele usou sua música como oposição do sistema vigente e ferramenta para fundar um novo pan-africanismo, livre das oligarquias dominantes, o que o transformou em referência na aplicação das artes como plataforma política e de engajamento sociocultural. Canções como Vagabundos no Poder e Shufering and Smile, que ridicularizavam o estilo de vida dos milicos e da burguesia, são exemplos dos caminhos encontrados por ele para convocar a população sair às ruas em busca de uma alteração do cenário.

 

 

 

O auge da rebeldia de Fela se traduziu com o nascimento da República de Kalakuta, comunidade criada e autodeclarada independente do governo pelo artista. Localizado na periferia de Lagos, o local, formado por casas pintadas de amarelo e envoltas com arame farpado, foi idealizado após a ida de Kuti aos Estados Unidos e o contato com o movimento negro norte-americano e seus líderes, entre eles Malcon-X. Inspirado, ele transformou Kalakuta em uma fonte de criatividade. Foi lá que em parceria com seu grupo Africa 70, o cantor aperfeiçoou o afrobeat e lançou o emblemático disco Zombie, cuja canção homônima comparava o exército nigeriano a zumbis que não pensavam, mas só obedeciam ordens.

 

 

O longa conta com depoimentos de nomes como Paul McCartney, que foi para Lagos gravar um disco. (Foto – Reprodução)

 

 

 

O conjunto de sua obra e atuação foi o suficiente para irritar os poderosos, que partiram para um ataque mais incisivo contra o cantor. Um grupo de mil soldados foi destacado para invadir a comuna e surpreender Kuti, sua banda, amigos e família. Amplamente debatido ao longo do filme, o ataque aconteceu em 18 de fevereiro de 1977, em uma operação que durou cinco horas, em que os militares cercaram e invadiram Kalakuta, espancando todas pessoas encontradas no caminho. O caso mais grave desta ação foi o de Funmilayo Ransome-Kuti, mãe do músico, pioneira no movimento feminista e anti-colonialista, que foi arremessada do segundo andar de um prédio e acabou falecendo meses depois em decorrência dos graves ferimentos que sofreu. Além de perder a mãe, Fela Kuti teve uma fratura no crânio e foi levado preso enquanto sua república ardia em chamas. Posteriormente foi exilado em Gana, onde permaneceu até 78.

 

 

 

Além de toda essa tensão envolvendo Fela, amigos e família,  o documentário de cerca de duas horas de duração, dedica tempo para analisar os impactos políticos e culturais exercidos pelas famosas capas de seus discos. Criadas pelo artista gráfico Lemi Ghariokwu, que trabalhou com Bob Marley e Gilles Peterson, os desenhos carregados de cores e simbologia, criticavam com veemência o domínio externo sobre os países africanos. Ancorada nos problemas sociais, as imagens retratavam ainda os abusos cometidos pelo regime militar que pairava na Nigéria e foi responsável pela morte de centenas de pessoas.

 

 

Dividido entre o ativismo político e o universo musical do nigeriano, Finding Fela é permeado com depoimentos de artistas importantes da música, todos fortemente influenciados pela sonoridade de Kuti. Participam seus filhos Seun e Femi, Tony Allen, QuestLove, Paul McCartney, entre outros. O ex-Beatle é fã de carteirinha de Fela e durante os 1970 embarcou com sua banda Wings para Lagos, onde gravou um de seus principais álbuns, Band on the Run, inspirado na música do artista africano.

 

 

Sua carreira artística e política são retratadas. (Foto – Reprodução) 

 

 

 

O longa de Alex Gibney busca contextualizar a trajetória do músico africano, que também é dançarino, e os reflexos de suas criações nos dias de hoje. A trilha sonora conta com 17 títulos de sua discografia com mais de 50 obras lançadas. Além de temas conhecidos do público, Gibney pinçou uma longa e inédita versão de Colonial Mentality, um clássico do afrobeat, gravado ao vivo com a presença de seu filho Femi no saxofone.

 

 

 

O filme é fundamental para os que desejam compreender os impactos criados por este furacão chamado Fela Kuti. Com suas roupas coloridas e o corpo tomado por pinturas inspiradas em comunidades tradicionais, o nigeriano mostrou ao mundo que a África, à época com partes ainda dominadas pelos europeus, tinha totais condições de protagonizar sua própria história. Atualmente sua memória e discurso permanecem vivos na obra dos filhos Femi e Seun Kuti, que também enxergam a força da música como  instrumento de conscientização.

 

 

 

Aqui você confere o trailer do documentário que foi exibido aqui no Brasil no festival In-Edit: