width="62" height="65" border="0" /> width="75" height="65" border="0" /> width="75" height="65" border="0"/> /> /> /> />
Brasil / África do Sul

De volta ao orgânico: vida simples concilia sustentabilidade e programas sociais
por Patrícia Costa

Vista externa da fazenda Eas on Earth

 

 

Na região de Eastern Cape, África do Sul, há uma fazenda, tendo como donos um casal e cinco cachorros. O nome Peas on Earth (Ervilhas sobre a terra), propositalmente, incube o desejo de sustentabilidade. Colin (40) e sua esposa Nick (39) compraram o espaço há seis anos e, desde então, lutam para mantê-la como fazenda orgânica.

 

Formado em Conservação ambiental, Collin sempre teve o sonho de possuir uma fazenda. “Foi uma paixão que tive minha vida inteira. Desde criança aprendi com meu pai, meu avô e meu bisavô, todos foram fazendeiros, é algo que está em meus genes”, conta. Ao término da faculdade, ele decidiu viajar pela Europa, morou na Inglaterra e na Austrália e fez trabalhos voluntários. “Eu senti algo muito bom, porque estava doando algo de mim, sem esperar nenhum retorno, aprendi que era bom fazer coisas generosas”, conta sobre a experiência.

 

 

Collin, trabalhadores locais e voluntários no campo de plantação

 

 

Sua esposa Nick, inglesa, formada em Jornalismo e mesmo atuando na área, deixou a profissão para a aprender sobre cavalos. Sua primeira viagem para África do Sul também foi como voluntária. “Meu primeiro projeto foi para trabalhar com educação, no meio do nada, igual aqui”, brinca. “Ficávamos em casas muito pequenas, era muito frio e não tínhamos muita comida”.

 

 

Já faz 11 anos que Nick deixou a Inglaterra pela África do Sul. Ela conta que sua vida lá era muito diferente e que no primeiro ano do voluntariado percebeu como podia ser difícil conseguir o básico para sobreviver. “Para algumas pessoas na África, comer, conseguir água e se manter aquecido era a única preocupação durante todo o dia. Isso me fez perceber que a vida podia ser simples e que as pessoas podiam ser felizes com pouco”.

 

 

Collin explica sobre a vegetação e a reserva local aos voluntários

 

 

O antigo como novo

 

 

Collin faz questão de lembrar que fazenda orgânica não é novidade, pelo contrário é a primeira forma de produção de alimentos e, para ele, a única que realmente deve existir. Os alimentos orgânicos são comprovadamente mais saudáveis e saborosos, mas um dos problemas para o incentivo ao retorno deste tipo de produção é o alto preço. Nas grandes cidades, o alimento orgânico sai por quase o dobro do preço do produzido em fazendas comerciais. “Muitos dos meus clientes dizem que eu cobro barato demais, o que quero mostrar é que isso é o justo, se eu aumentar o preço, vou colaborar para o pensamento de que o que o natural deve ser mais caro”, explica.

 

 

Manter uma fazenda orgânica não é uma tarefa tão simples como Collin imaginava. Quando começou, acreditava que cuidar de uma fazenda se resumia à plantação e à colheita. “Quando fiz faculdade aprendi muito sobre ciência, ecologia, animais, mas não sou agricultor, por isso tenho aprendido muito desde que começamos”. Com o tempo notou que precisava de ajuda extra. E esta ajuda veio com o programa de voluntariado. Há cinco anos, o casal recebe voluntários de todos os lugares do mundo que se interessam pelo país, por fazendas e pelo ato de ajudar.

 

 

Nomandile, trabalhadora contratada local

 

 

Para Collin, receber voluntários é sua oportunidade de ensinar. “Felizmente, agora temos um espaço que nos permite desenvolver diversas habilidades nos jovens”, conta. Na fazenda, sem o uso de tratores, máquinas e fertilizantes, o estudo e a prática são ferramentas que ajudam na produção de alimentos com qualidade e sem prejuízos ao solo. “Viver sustentavelmente é possível. Nós preparamos esta fazenda para o futuro. Quanto mais nos dedicarmos ao solo e inserirmos nutriente na terra, melhor será o retorno”, diz Nick.

 

 

Na Peas on Earth há uma variedade de cultivos de legumes, verduras e frutas. Com tantas opções, quando um inseto nocivo à plantação busca determinada espécie de vegetal se confunde com a mistura de cores e cheiros presentes na horta ou no campo, o que o dispersa. “O segredo é usar a própria natureza como defesa, se você mexe com o ciclo natural e mata uma espécie, terá problemas com outras e sucessivamente”, explica Collin.

 

 

Produção de novas sementes

 

 

Os vegetais colhidos são vendidos na cidade e para clientes fixos. Há também feiras que são realizadas esporadicamente, nas quais os alimentos são levados e oferecidos à comunidade local com um preço acessível. Para ajudar nas despesas, além da venda dos alimentos, existe a produção de geleias, queijos, cremes e ainda há um quarto disponível para hospedagem, internet e telefone para locação. “O que importa é ter dinheiro para sobreviver e manter a fazenda ativa, eu não preciso de muito dinheiro para viver, não é esta a questão mais importante para mim”, diz Collin.

 

 

A questão de sustentabilidade para o casal é muito importante, assim não há nenhum tipo de desperdício. “Procuramos reutilizar tudo, o alimento que não está bom para venda vai para cozinha, se não está bom para cozinha vai para os porcos, tudo tem uma utilidade, nada aqui vai para o lixo”, descreve Collin. Até a comida preparada pelos dois é feita de modo consciente, eles cuidam para que todos se satisfaçam, mas não fazem grandes porções e, se sobra, será o almoço do dia seguinte. Com o programa de voluntariado, Collin conseguiu unir sua paixão pela fazenda e pelo ensino, mas ainda faltava alguma coisa: cumprir sua responsabilidade social.

 

 

A fazenda orgânica e o projeto social

 

 

A Peas on Earth seria apenas mais uma entre as fazendas da região que recebe voluntários se o casal não tivesse a ideia de unir seu meio de vida para ajudar à comunidade local e, ainda, mobilizar pessoas de outros lugares do mundo para a causa. Após notar grandes problemas na educação primária, decidiram fazer algo. “Não havia comida na escola e se continuasse assim, não haveria criança”, diz Nick.

 

 

Crianças e professora da escola local

 

 

“Fomos à escola para conversar com os professores, saber o que faltava, no que podíamos ajudar”, diz Collin. A partir da conversa, o casal começou doando tempo e ideias para ajudar. “No primeiro ano, fizemos uma rifa, as crianças ajudaram vendendo e ao término usamos o dinheiro para fazer uma festa, todos gostaram, acredito que isso deu esperança”. Após um ano recebendo voluntários, o projeto foi incluso à Organização Good Hope Studies que ficou responsável tanto pelo envio de voluntários à fazenda quanto pelo redirecionamento dos valores pagos pelo programa à escola. “O importante é que o valor seja investido em educação e em infraestrutura”, afirma Collin. Ele esclarece que não recebe nenhum valor com o projeto.

 

 

Além da ajuda financeira, o fazendeiro faz questão de doar o seu tempo e de levar os voluntários à escola para conhecer e promover melhorias. Em 2014, deu-se início a construção de um espaço para plantação de hortifrútis. A cada ano, novos projetos serão traçados. As vidas de ambos estão dedicadas à fazenda, aos voluntários que recebem, e às obrigações sociais. Collin vê o conhecimento como única solução para a violência que, infelizmente, ainda é constante. A viagem que fez pelo mundo o fez se engajar em causas que façam as pessoas entenderem que é usando a cabeça e não as armas que se pode mudar o país. “Temos que ensinar os nossos filhos para que os erros do passado não se repitam (refere-se ao apartheid), as crianças são como o solo, quanto mais inserirmos nelas, mais retiramos no futuro”, diz.

 

 

Quanto à África do Sul, ambos concordam que há muito a ser feito para mudar o cenário econômico e social, mas se sentem muito felizes de morarem no país. Para Nick, o país é uma nova oportunidade “é um país jovem que precisa perdoar (refere-se ao Apartheid), mas que hoje possui muito mais liberdade, as pessoas podem ser o que são”, fala. Nick diz não sentir nenhuma falta da sua vida na Inglaterra. “Definitivamente, esta vida é melhor para mim, eu sou muito feliz aqui”, declara. Para Collin que também se define muito feliz, sua fazenda representa sua vida e seu lar.

 

 

Viver em uma região, na qual a maioria das pessoas carece de água e vivem em pequenas habitações, morar em uma fazenda que consome grande parte do tempo no cultivo de alimentos, cuidar de um programa de voluntários e preparar jovens para o trabalho e ainda reservar tempo e esforços para ajudar sua região demonstra uma grande riqueza, solidariedade. Se pequenos projetos como estes começarem a se espalhar pelo mundo, certamente, logo surtiram grandes resultados.

 

 

*Reportagem da série Brasil-África do Sul, por Patrícia Costa. Confira aqui a primeira reportagem já publicada sobre a relação social, cultural e econômica entre os dois países.