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Brasil / África

A comunicação feita por um olhar afrocentrado
por Kauê Vieira

 
 

Com a permissão da confusão logo no início da reportagem, sempre, mas nunca como antes a discussão sobre mídia e fontes de comunicação foi tão importante para o avanço de pautas históricas. No caso do Brasil, país que ainda sofre com o monopólio da comunicação por algumas quatro famílias, muitas, pra não dizer todas, com envolvimento direto ou indireto na política, é necessário que a pluralidade de vozes nos rádios, páginas de jornais, internet e televisão se torne definitivamente uma realidade. Não há como negar, se as pessoas que enfrentam determinados problemas ou situações pessoais não puderem contar suas histórias, não será possível que se evolua de uma maneira horizontal e saudável.

 
 

Nos últimos 13 anos muita coisa mudou no Brasil, especialmente no campo social, onde avanços como a erradicação da pobreza e o acesso às universidades públicas por meio das cotas para negras, negros e indígenas obrigou instituições tradicionais a engolirem pautas como a discussão racial. Isso somado ao crescimento das redes sociais colocou grandes veículos de comunicação como a TV Globo em um beco sem saída. Não dá mais pra tapar os olhos para o racismo e a realidade de vida de negras e negros Brasil afora. Por isso, não é mais tão difícil assim se deparar com discussões sobre estética e até mesmo racismo nos chamados canais de TV aberta. Mas não se iluda! Tudo é feito com muita superficialidade, parece muitas vezes que as emissoras de TV não querem mexer no vespeiro, por isso, o genocídio da população negra pelo Estado e a falta de material didático sobre o ensino de África nas escolas ficam de fora.

 
 

Mas acalme-se, nem tudo está perdido! O problema já foi constatado e mídias como o Afreaka e muitas outras surgem nesse sentido, propondo um rompimento na verdade única. É o caso também do portal SoteroPreta, criado recentemente pela jornalista Jamile Menzes, que chega para cobrir eventos, falar de cultura, TV, debates e tudo que cerca a produção artística NEGRA de Salvador. Em entrevista ao Afreaka, a soteropolitana explica os impactos da criação do site, além de ressaltar a importância de que se chama de mídia negra.

 
 

“Por falta de Mídia Negra não estaremos invisíveis. Nós existimos enquanto comunicadores, enquanto veículos de grande potencial, com produções de altíssima qualidade. O impacto é que, apesar de muito importante em qualquer dimensão, ainda não chega a ser notório em estatísticas. Estas que vão subsidiar suas sustentabilidades, por exemplo. O SoteroPreta surge para contemplar uma demanda específica, que é o campo da cultura, e a repercussão diz isso . Mas precisamos massificar nossos conteúdos de modo a dialogar com um público negro para além dos muros dos movimentos raciais organizados. A comunicação brasileira ainda é detida por capital branco, mas a representatividade Negra começa a “incomodar”, pontua em entrevista ao Afreaka.

 
 

Com conteúdo afrocentrado, mas voltado para todos os públicos, o SoteroPreta busca se descolar de pautas e reportagens que teimam em limitar a produção negra, algo muito comum nos grandes veículos de comunicação, que desde sempre associam o negro aos casos de violência e pobreza social. Sim, esta é uma triste realidade que perdura até os dias de hoje, contudo mulheres e homens negros nunca ocuparam o lugar de figuras passivas, afinal como é possível ignorar nomes como Antonieta Maria de Barros, primeira mulher negra eleita para um cargo público no início do século passado ou a carreira da jovem escritora mineira Cidinha da Silva, que fala de amor, música e televisão? A cultura negra não se encaixa em rótulos.

 
 

 

Jamile Menezes, criadora do SoteroPreta  

 
 

“O SoteroPreta é voltado para todos que entendem a Cultura Negra em Salvador como algo forte, potente, belo, promissor e transformador. Seja qual for a etnia. Mas a nossa produção de conteúdo é especializada neste público. Ações, iniciativas, projetos que sejam mobilizadas, criadas por agentes negrxs de Cultura na cidade e/ou que tenham seu conteúdo e temática voltadas para a comunidade Negra,” salienta a fundadora e editora-chefe de site Jamile Menezes.

 
 

Jornalista negra e empreendedora

 

Mesmo que não se admita, a imprensa brasileira é racista. Isso se dá por múltiplas formas, seja pela indiferença com a morte de meninos negros, que além de perderem suas vidas são taxados de vítimas pelos jornalões ou pela falta de mulheres e homens negros como colunistas, repórteres e âncoras. Sobre o assunto é interessante destacar o nome de dois personagens, primeiro a escritora mineira Ana Maria Gonçalves, que no artigo  “De 555 colunistas da velha mídia, seis são negros. Por isso o racismo não interessa” criticou a ausência da mídia na discussão racial, “De 555 colunistas e blogueiros de 8 veículos de imprensa (Folha, “O Estado de S. Paulo”, “O Globo”, “Época”, “Veja”, G1, UOL, e R7), 6 são negros. Também por isso o debate sobre racismo ocorre longe da maioria da população a quem, no dia a dia, ele não afeta ou interessa”, Ana Maria em trecho da coluna, publicada em portais como o Geledés.

 
 

Segundo o nome da própria Jamile Menezes, que sente na pele as dificuldades de ser mulher negra, jornalista e empreendedora. “Estou por minha própria conta, meu sucesso ou fracasso depende de mim. O que tá posto não me favorece, então ou eu transformo ou me submeto. Na comunicação isso se potencializa, pois é uma área cara, branca e restrita, pois se trata de conhecimento, informação, moedas da vida moderna.”

 
 

Para além disso, Jamile é empreendedora, não que isso seja novidade na vida de mulheres e homens negros, que desde sempre se viram obrigados a encontrar formas distintas de sobrevivência. Mas seu caso é diferente, pois está empreendendo na comunicação, está pensando outras maneiras de falar de si. De falar dos seus.

 
 

“Os desafios são os de todos os empreendimentos negros: não temos heranças. Temos nossa força de trabalho e consciência de que precisa ser feito. Apenas. Empreendemos desde que nascemos, fomos às ruas com nossos quitutes e comidas, nossa força braçal dar conta da sobrevivência diante da inexistência de oportunidades e de portas abertas desde muito cedo. Nunca houve políticas, presentes, agrados ou lastros. Há agora, em flagrante ameaça, mas há. Há lutas, incômodos e mobilizações. A cor da nossa pele ainda define nosso espaço no mundo, então empreender continua sendo nosso único meio e continua sendo ameaçado o tempo inteiro. Não há facilidades. Mas há caminhos, precisa persistência, vontade, resiliência”, encerra.

 
 

Adaptando a frase de Nelson Mandela que fala da potência da educação, a comunicação é uma das armas mais poderosas que você tem para mudar o mundo. É a partir de uma mídia democrática e mais próxima da realidade da maioria dos brasileiros que o país vai andar de fato para frente. Entretanto, para que tais objetivos sejam alcançados é fundamental que um número cada vez maior de negras e negros adentrem às universidades, que sejam incluídos e proponham novos debates e percebam que nos tempos atuais não é difícil se comunicar, basta ligar a câmera do celular. Vida longa ao Soteropreta!

“Comunicação pautada sob a ótica de uma história de não privilégios, de resistência e de afirmação.” – Jamile Menezes, mulher negra e jornalista baiana.

 
 

Para saber mais: http://portalsoteropreta.com.br/

 

Para ler o artigo de Ana Maria Gonçalves no Geledés: http://www.geledes.org.br/de-555-colunistas-da-velha-midia-seis-sao-negros-por-isso-o-racismo-nao-interessa-afirma-escritora/#gs.K7D8MkM