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Brasil / África

Capoeira que não é só casca – é Semente
por Isadora Bertolini

 

Foto: Divulgação

 

 

Um espaço no qual se mantêm a tradição e a filosofia da Capoeira. Assim é conhecido uma das maiores referências da Capoeira de Angola no Brasil e no mundo: o Semente do Jogo de Angola. Fundado em 1990 pelo Mestre Jogo de Dentro, o grupo se espalhou por várias cidades brasileiras, além de países como Canadá, Itália, Israel, Colômbia e Japão, e este ano comemora o aniversário de um dos grandes mestres da Capoeira de Angola, Mestre Pastinha, que completaria 116 anos em 2015, precisamente no dia seis de abril.

 

 

 

Foto: Divulgação

 

 

Até 1937, a Capoeira era considerada uma prática criminosa pelo Código Penal Brasileiro. Graças, porém, à atuação de dois grandes mestres, Pastinha e Bimba, ela passou a ser não só legalizada, como também considerada uma atividade cultural de grande potencial socioeducativo. Mestre Bimba foi responsável pelo desenvolvimento da Capoeira Regional, que mistura influências de outras manifestações culturais, como o batuque, enquanto Mestre Pastinha preservou e passou adiante a Capoeira de Angola, considerada até hoje o estilo mais tradicional do gênero.

 

 

 

Foto: Divulgação

 

 

“Somos herdeiros de uma linhagem que prega a capoeira como uma filosofia de vida, muito além da atividade física”, explica Alan Zaz, professor de História e “calça preta” (cargo que lhe permite desenvolver o trabalho do grupo em um espaço no Grajaú, bairro da zona sul de São Paulo). Emocional, espiritual, mental, físico e intelectual, tudo está interligado quando se trata da Capoeira de Angola. “A roda de Capoeira nos fortalece para a roda da vida; somos capoeiristas do momento em que acordamos até irmos dormir”, completa o Contra Mestre Fábio, também conhecido como “Formigão”, responsável pelo Semente do Jogo de Angola no bairro paulistano de Interlagos.

 

 

 

Foto: Divulgação

 

 

Sob a batuta de seus membros, o grupo desenvolve, além dos treinos, seminários que relevam as particularidades da Capoeira e da cultura afro-brasileira, além de promover saraus em que se escuta o samba de roda tradicional e outros ritmos e poesias. O trabalho faz parte da formação do capoeirista – tanto os conhecimentos intelectuais quanto aqueles passados durante as rodas e treinos. “O mestre não forma, apenas informa”, comenta o Contra Mestre Formigão. “O aprendizado é constante, tanto para mim quanto para todos aqui. Mestre Pastinha morreu aos 93 anos, dizendo que tinha muito que aprender sobre a Capoeira ainda”.

 

 

 

Foto: Isadora Bertolini

 

 

As cores do conjunto revelam ainda alguns ensinamentos da Capoeira de Angola. O verde simboliza a mata, refúgio dos escravos e referência à origem da palavra (capoeira significa mato ralo, em tupi-guarani); o branco remete à paz, equilíbrio e pureza buscados nos treinos, além de relembrar o momento de recém-liberdade dos escravos, que comumente compravam vestes brancas; e o preto, por fim, significa a resistência da cultura negra a partir da prática da Capoeira, de seus ensinamentos e do respeito aos ancestrais.

 

 

A busca pelo aprendizado constante e pela preservação das tradições da Capoeira de Angola tem sua razão na atualidade. “Há uma preocupação crescente com duas vertentes que têm crescido bastante na Capoeira”, explica Alan. “A primeira delas é a Capoeira ‘fitness’, puramente física, relacionada ao mercado e ao consumo. A outra é a Capoeira estudada nas universidades, baseada em estudos e amarrações acadêmicas que têm servido para deslegitimar a autoridade e o conhecimento dos mestres. De um jeito ou de outro, a Capoeira se apresenta como uma casca, superficial e vazia,” pontua.

 

 

 

Foto: Isadora Bertolini

 

 

Ir além da casca, como aponta Alan, é reconhecer que muitos lutaram para manter viva a sabedoria da Capoeira, que foi, outrora, perseguida e descriminada. “Quantas culturas não se perderam nesse processo de dominação?”, indaga. A luta, portanto, está na manutenção da prática diária dessa cultura. “Depois de receber um presente, que são todos esses ensinamentos, não tem como não pensar na nossa responsabilidade perante ele”, diz Ingryd Cardoso, capoeirista do grupo há um ano. E assim germina a semente da resistência cultural e da valorização de uma visão crítica da Capoeira, plantada há mais de 80 anos por Mestre Pastinha e cultivada por todos aqueles que têm a oportunidade de adentrar o grupo Semente do Jogo de Angola.