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Angola

Do Bronx de Nova Iorque aos musseques de Luanda, surge o Kuduro
por Patrícia Costa Freire

Divulgação: “Sui Generis”, que significa de seu gênero próprio, de Dog Murras.

 

 

Mais que um estilo musical ou uma dança, o Kuduro é uma manifestação de um povo que precisa ser ouvido, é isso que afirma o músico angolano Paulo Flores, no documentário “Kuduro, fogo no Musseke”. (Clique aqui para ver o documentário).

 

 

Provindo de uma região de extrema pobreza, os chamados musseques, jovens sem expectativas de um futuro melhor, fazem da arte, a bandeira pela qual lutar. E na extravagância dos passos do “cu duro”, com o quadril firme e a elevação das pernas, ao som próprio da dança, encontraram a forma de atrair os olhares do seu povo e depois do mundo.

 

 

 

 

Dos Guetos aos musseques

Embora o Kuduro seja fruto da mistura do hip hop americano, do tecno house, do zouk congolés e do zemba angolano, a semelhança entre o hip hop e o Kuduro é incontestável. O hip hop, como fruto da periferia nova iorquina, e o Kuduro, da periferia angolana. Ambos surgiram da necessidade de gritar para serem ouvidos, de mostrar que longe do centro existiam jovens que tinham música, dança, linguagem e códigos próprios.

Nos anos 70, a maioria que morava nos Bronx era imigrante ou afrodescendente, seus jovens não podiam enxergar um futuro muito além da realidade vivida. Segundo Simone Conceição, em seu artigo Movimento Kudurista: uma nova linguagem na expressão cultural urbana de Angola, é em meio a todos os conflitos que surgiu o hip hop. O novo estilo buscava, ao mesmo tempo erguer a moral dos jovens e abrir os olhos da população. “Cantando para despertar a própria consciência, as periferias estadunidenses criaram uma dinâmica de produção de expressões culturais cuja principal característica era serem vozes que abordavam um cotidiano empobrecido comum à maior parte dos afrodescendentes”.

 

 

Foto: Tony Amado (Divulgação)

 

 

Já Luanda, vinte anos depois do surgimento do hip hop e de sua expansão pelo mundo, passava por um importante momento histórico, de um lado, um forte crescimento econômico devido à produção de petróleo, e, de outro, a má distribuição de renda, a superpopulação e a falta de condições melhores para o seu povo. Para Simone, estudar o Kuduro é importante para conhecer essa Angola. “É acessar o que o angolano do segmento popular tem a dizer sobre uma história nacional em (re) construção. É perceber o quanto o cotidiano dessa periferia tem a dizer sobre a ideia de progresso na economia global e desigual”

 

 

Independência musical

Tony Amado, dançarino de diversos estilos angolanos, como semba, sungura, kilapanga, tecno americano, inspirado num passo do belga Jean-Claude Van Dame, no filme Kickbox (O desafio do Dragão), cria a “danza” a qual intitula Kuduro.

Os Kuduristas, como são chamados, começaram sua produção independentemente das grandes gravadoras. Nos estúdios improvisados e com poucos equipamentos, os CD’s eram gravados e levados pelos candogueiros para tocar na cidade e, se o povo gostasse, virava hit. Na fé, clipes foram lançados no YouTube e no MySpace.

 

 

Foto: Os Lambas (Divulgação)

 

 

O primeiro disco surge da união do Kudurista Tony Amado com o produtor Ruca Van-Dunem, intitulado Tony Amando e os seu mutchachus e traz os sucessos “Jacobino” e “Sinha Xica da Silva”. O movimento começa a se expandir e surgem os nomes Dog Murras, Sebem, Zoca Zoca, Pai Diesel, Pinta Tirru, e Gata Agressiva, Puto Prata e, posteriormente, Os lambas (Os demônios de Sambizanga), um dos mais famosos grupos de Kuduro de Luanda. Os vídeos lançados na internet mostram de uma forma cômica, extravagante e inusitada como é a vida nos musseques.

 

 

O descuido com a população é motivo de crítica dos Kuduristas, Dog Murras aborda o contraste entre o crescimento econômico de Luanda e a situação de seu povo. “Angola do petróleo, do diamante e muita madeira, Angola do paludismo, febre tifóide e muita diarreia. Angola dos talé bosses comem sozinho e muita ambição, Angola que é da gasosa, corrupção tapa visão [...]”.

 

 

 

 

A crítica social, o exagero da dança e os vídeos que demonstram que a relação com a ordem (polícia) não é fácil, fez com que o movimento fosse associado à criminalidade, assim como aconteceu com o movimento hip hop, com o funk carioca e com outros ritmos surgidos na periferia. Nagrelha, conhecido como o chefe de estado maior do Kuduro, foi um dos kuduristas acusados de ter uma vida de crime. “Essas manifestações culturais quando surgem do Gueto, geralmente, trazem com elas um cunho de criminalidade, de falta de respeito”, diz Dog Murras, no documentário Kuduro: Fogo no Museke.

“Na esquadra, ‘tamo’ lambidos, pequena coisa é bandido”, diz Nagrelha no vídeo Esquadra. No clipe Comboio II, policiais saem para perseguir os Lambas, mas são seduzidos pelo ritmo e convencem o chefe de polícia a desistir de perseguir o grupo. Já em “Provo e Gosto”, Nagrelha bate de frente com a discriminação existente contra os kuduristas: “Falo português e não dialeto, só por ser no gueto, quem disse que não sou consciente, faço Kuduro inteligente, com ‘micro’ na mão sou poeta, minhas palavras me faz profeta, eu vou parar em 2030, mas até lá vou dá muita fita, porque em quanto eu estiver a bater, o Kuduro não virá de morrer”, declara.

Ainda no documentário Kuduro: Fogo no Museke, o escritor José Luis Mendonça critica o estilo: “É um mito criado em uma sociedade, resultada desta crise de valores que vem dos tempos da independência, e foi criado mais pelos os mídias e pelo mundo dos negócios, os empresários da música que promoveram o Kuduro”. Segundo o escritor, o Kuduro não é um ritmo próprio. “É um rap angolano, neste caso. A palavra não sugere nenhum estilo musical, nenhuma criação de música angolana dos tempos modernos, o que acontece é uma despromoção dos ritmos tradicionais”, diz Mendonça.

 

 

Divulgação: capa do álbum “Um Golpe da Obscuridade”, de Dog Murras.

Contudo, as críticas direcionadas ao Kuduro não obtiveram sucesso e o número de fãs, chamados Kudiristas, continuaram a crescer. No vídeo “O que é Kuduro?”, lançado em 2007, Hélder perguntou aos kudiristas o que o Kuduro significava para cada um. Fica claro, a partir das respostas de adultos e crianças, que representa mais do que um estilo musical, é um motivo de orgulho para os angolanos, por ser um movimento próprio de Luanda. “Dizem que o Kuduro não é nada, mas o Kuduro é nosso, é nossa raiz, vamos dançar o Kuduro, nada de destruição, o Kuduro é muito nosso”, diz um dos entrevistados.

Ao contrário da sociedade em que se encontra, o povo de Luanda se sente incluso e parte do movimento: “O Kuduro serve para toda gente, para mim também, que eu sou de lá embaixo dos Bate Um, meu nome é Cadáver, dúvida? Nenhuma”, diz.