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África

Blues: reconexões entre o passado e o presente africano
por Rosa Couto

 

Siti Touré e banda (Foto: Wikipedia)

 

 

O Blues, enquanto gênero musical, surgiu no despertar do século XX em Mississipi, no sul escravocrata dos Estados Unidos, através de uma mistura de cantos de trabalho (work songs e spirituals). Em um cenário pré-moderno, o bluesman, após um longo dia de trabalho nas colheitas de algodão, quebrava uma garrafa e encaixava o gargalo em um dos dedos da mão, escorregando-o pelas cordas do violão, dando uma função diferente a este instrumento. As blue notes – efeito expressivo derivado da distorção sonora causada por vibratos ou pelo uso de slides (sendo os primeiros feitos de garrafas quebradas ou facas) – traziam à tona a memória de um tempo-espaço longínquo, para além das fronteiras oceânicas. Fronteiras estas ultrapassadas pela devastadora força da escravidão.

 

 

 

Coletânea Putamayo de Jazz Africano

 

 

São inúmeras as referências ao fazer musical africano no Blues que é, em essência, uma apropriação das concepções musicais do Ocidente pelo imaginário dos negros no Novo Mundo. A escala de cinco notas (pentatônica), evitando semitons e, portanto, a tensão-repouso que marca a narrativa musical do Ocidente é uma destas referências. O uso da repetição que causa a sensação de transe coletivo e compartilhado, é outra.  Estes exemplos, presentes nas canções de artistas como Robert Johnson, remontam a um período em que a música possuía uma função para além do entretenimento e serviram, posteriormente, de inspiração para o desenvolvimento de outros gêneros musicais nos Estados Unidos e em todo mundo.

 

 

 

Sidi Touré (Foto: Divulgação)

 

 

Na África, alguns músicos empenham-se em levar o Blues “de volta pra casa”, e reivindicam para a região oeste daquele continente as raízes deste estilo. Este é o caso de Sidi Touré, nascido em 1959, em Gao, cidade que foi no passado um centro de comércio transaariano, às margens do Rio Níger, no Mali. Suas músicas, permeadas de referências islâmicas, trazem à lembrança a imagem imponente do deserto. “Sahel Folk”, disco de 2011, é atravessado por uma áurea mística, na qual os ouvidos atentos podem captar os elementos que encontramos no Blues americano, é claro, transformados pela realidade africana. Gravadas na companhia de amigos, as canções foram executadas com todos sentados em roda, ao redor do fogo, numa tentativa de unir novamente música e cotidiano.

 

 

 

 

Touré utiliza sua música como protesto contra a guerra e as crises políticas enfrentadas por seu país, que desde 2012 vivencia enfrentamentos entre tuaregues e grupos islâmicos. Ele é um dos muitos músicos do oeste africano que cantam pela paz, utilizando o blues como via expressiva. Para Touré “não se pode negar o evidente (…): a raiz do blues somos nós”. Independentemente da questão da origem e local de nascimento do gênero, o que une o deserto africano à plantação de algodão no sul dos Estados Unidos é o fato que este gênero musical é, em essência, um canto de resistência.