Belkis Ayón (1967-1999) foi uma artista plástica afro-cubana versátil. Utilizando fundamentalmente a gravura e com um substrato de forte trabalho intelectual, destacam-se em sua obra três problemáticas, a abstração, o sincretismo religioso e a religiosidade abakuá. Seu curto ciclo vital não lhe impediu transcender profissional e socialmente. Até o momento de sua morte tinha participado em 19 exposições pessoais em Cuba e no estrangeiro.
Tema instigante na obra da artista, a Sociedade Abakuá teve origem no antigo Calabar africano, entre o grupo étnico-linguístico efik. Estruturada em base ao fundamento religioso de adoração aos espíritos e com caráter de ajuda mutua, é integrada somente por homens. Nas Américas, unicamente se tem reproduzido em Cuba, e aí tão só nos portos das cidades de Havana e Matanzas.
Em artigo que escreveu para “La Jiribilla”, publicação digital cubana, Ayón esclareceu: “Ao abordar esta temática desconhecida e hermética para muitos, ao não ser popular como outro dos componentes do acervo cultural cubano por tratar determinados aspectos que ainda não tem sido esclarecidos, pretendo ante tudo dar a conhecer minha visão a partir de seus entretecidos lembrados sagrados desbordantes de imaginação religiosa, apresentando-lhes de uma forma sintética o aspecto estético plástico e poético que tenho descoberto em Abakuá”.
Para o etnólogo e cineasta Tato Quinones e o jornalista e antropólogo Ramón Torres (ambos negros e abakuás), a importância de visibilizar esse setor da religiosidade afro-cubana radica em conceder “o protagonismo a religiosos que tem sido histórica, politica, social e intelectualmente mal tratados em seu país”.
Entre as principais inspirações encontradas na obra da pintora, está a simbologia do universo abakuá, que ocupou grande e importante parte de seu trabalho. Abasí que é a representação do Deus supremo para estes religiosos foi para ela sugestivo. Em várias de suas mostras, o titulo remete diretamente a esse Deus, sendo “Salva-nos Abasi” um dos destaques de suas colografias, de 1999.
Sálvanos Abasí, 1989, Colografía
De igual amplitude, outra simbologia constantemente retratada por Ayón é Tansé, o peixe que para os religiosos abakuá tem especial distinção mitológica. Em muitas de suas produções a sua imagem é retratada com um tratamento de especial relevância. Associando-o tanto ao sacrifício quanto ao nascimento, Ayón o coloca vezes nas mãos de Sikán, e vezes o situando como observador da ordem humana.
Ainda entre os aspectos notórios da obra da artista estão as representações de corpos brancos e negros compartilhando espaço ou de corpos com várias cores, encenação que é analisada como reflexo de seu antirracismo, e as figuras que carecem de rasgos faciais ou de boca, o que para a historiadora da arte Cristina Figueroa é uma alusão ao segredo abakuá.
Poucas mulheres em Cuba tinham-se acercado profissionalmente ao mundo abakuá como o fez a artista. Desde a época colonial conseguiu-se impor a ideia de que tratava-se de um espaço “hermético”, “secreto” e de “criminosos”. Mas Ayón conseguiu forte repercussão no cenário cultural e religioso cubano, apenas como no início do século XX tivera Lydia Cabrera, etnóloga cubana, a primeira mulher a escrever sobre o tema.