Azagaia no clip da música em parceria com a banda brasileira Família Gangsters (Foto: Divulgação)
Azagaia, nome dado a um tipo de lança, curta e estreita, usada para a caça ou guerra, é o nome artístico de Edson da Luz. Nascido na vila de Namaacha, perto da fronteira de Moçambique com a Suazilândia, filho de uma comerciante moçambicana e de um professor cabo-verdiano, Azagaia foi para Maputo, capital do país, aos 10 anos de idade, onde concluiu o ensino médio e ingressou na universidade e no mundo da música pela primeira vez com o grupo Dinastia Bantu.
Sua carreira profissional no Rap se iniciou em 2006, lançando seu primeiro álbum no ano seguinte, “Babalaze” (ressaca na língua changana), com a gravadora Cotonete Records. Desde então, não se esquivou de diversas polêmicas ao disseminar ideias críticas e contundentes acerca da situação política e social do país, assim como do contexto internacional que o circunscreve. Entre suas produções destacam-se faixas conhecidas como “As mentiras da verdade” e “Combatentes da Fortuna”, música que consagrou-se como o videoclipe mais assistido da história do rap moçambicano, mesmo contando com uma forte censura televisiva.
Azagaia aborda episódios determinantes para a história do país, como o mal resolvido caso da morte do primeiro presidente de Moçambique, Samora Machel, vítima da queda de um avião em 1986, ou a turbulenta transição do regime socialista marxista-leninista, implementado com a independência do país, em 1975, para um capitalismo de livre mercado, com o final da Guerra Fria e da própria Guerra de Desestabilização do Regime, que de 1976 até 1992 assolou o país com o objetivo de levar o projeto socialista ao fracasso.
Azagaia no clip ABC do Preconceito (Foto: Divulgação)
Apesar de Moçambique viver desde 1992 tecnicamente numa democracia de eleições livres, a liberdade de expressão em alguns casos segue limitada. Para o rapper, são muitos os obstáculos e ameaças para a livre disseminação de ideias, principalmente quando estas expressam indignação com os rumos que as elites moçambicanas ditam ao país. No entanto, para Azagaia isto não é um limite. O cantor traz tais críticas para o cerne de sua produção, por exemplo, quando literalmente convoca os jovens à luta, na música “A marcha”.
Entre as consequências da inconformação do artista com a política no país, uma foi de grande repercussão de mídia. Em 2011, Azagaia e seu produtor Miguel Sherba foram parados pela polícia enquanto dirigiam, e com eles foi encontrado um cigarro de maconha, chamada “soruma” em Moçambique. Após se recusarem a pagar propina para serem liberados, foram parar na delegacia onde ficaram detidos por 2 dias, e assim, o fato caiu na imprensa. O caso trouxe prejuízos à imagem do cantor, num país com fortes traços conservadores, apesar de registrar alto consumo da erva, considerada uma planta endógena na região.
Imagem do clip Minha Geração (Foto: Divulgação)
O contradição curiosa é que Azagaia e seu produtor foram parados pela polícia quando estavam no caminho para o show de lançamento de um DVD de Azagaia, o que gerou especulações de que se tratava de um “cala boca” do governo. Azagaia ficou extremamente chateado e divulgou um comunicado pedindo desculpas aos seus fãs e à sua família pelo episódio, enquanto Sherba o defendeu, escrevendo uma nota expondo a hipocrisia que permeava todo o episódio, defendendo a ideia de que tratava-se de uma forma de queimar a imagem do cantor junto à opinião pública, levantando o debate acerca da legalização da maconha.
Em 2014, Azagaia lançou seu segundo álbum, “Cubaliwa” (significa “nascimento” na língua sena), que registrou novamente enorme sucesso entre os apreciadores do rap em língua portuguesa. No mesmo ano, com o objetivo de fomentar o debate acerca da legalização da erva e da moralidade hipócrita que obscurece a discussão sobre o tema no país, o rapper acendeu um baseado ao vivo no programa de TV Atracções, apresentado por Fred Jossias. O programa saiu do ar no meio da intervenção, e o apresentador foi despedido alguns meses depois.
A repercussão nacional foi controversa e Azagaia declarou em público que havia cometido um erro, e que reviu sua atitude principalmente após pensar na consequência de sua atitude para as crianças. Explicou que precisava fazer uso da erva por ter epilepsia, mas que errou ao exaltar o seu consumo publicamente. No entanto, além do pedido de desculpas, o artista também anunciou que abandonaria a carreira e a vida pública, retornando para a Vila de Namaacha.
Imagem do clip ABC do Preconceito (Foto: Divulgação)
A notícia chocou o movimento hip-hop, uma vez que Azagaia é considerado um dos rappers de língua portuguesa mais influentes fora do Brasil, tendo inúmeros fãs em países como Angola e Portugal. Já em Moçambique, um país no qual é difícil encontrar um jovem do meio urbano, homem ou mulher, que não goste de rap, com sua capital Maputo, contando com uma cena cada vez mais efervescente, a novidade foi ainda mais surpreendente.
Passadas algumas semanas, Azagaia revelou ao público algo que segundo o próprio influenciou nas atitudes desencontradas que vinha tomando. Edson da Luz recebeu um diagnóstico de um tumor cerebral, e anunciou que precisava realizar um tratamento que incluiria um procedimento cirúrgico para a retirada do tumor, o que precisaria ser feito fora do país. Sua equipe criou uma campanha de arrecadação de fundos pela internet, “Help Azagaia”, que conseguiu arrecadar mais do que 790 mil meticais, o equivalente a aproximadamente 20 mil euros, que eram necessários para o tratamento.
Azagaia foi operado no dia 18 de outubro, na Índia, e seu estado de saúde encontra-se estável, segundo os relatos que tem divulgado via Facebook. No momento, para qualquer fã, é difícil imaginar que a ideia do cantor de abandonar a carreira e vida pública seja permanente. Pelo menos, essa é a esperança.
Imagem: Azagaia saindo do hospital após cirurgia para retirada de tumor cerebral, na Índia, divulgada na sua página no Facebook.
Vídeo: “Combatentes da Fortuna”
Video: “ABC do Preconceito”