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Etiópia

Awra Amba: a comunidade utópica da Etiópia
por Iolanda Barros

 

 

Igualdade entre homens e mulheres, respeito aos direitos das crianças, cuidado com os idosos, trabalho cooperativo e divisão igualitária dos lucros. Em Awra Amba, esses ideais são realidade. Não foi por acaso que a comunidade ficou conhecida como a “utopia etíope”.
Fundada em 1972, por cerca de 20 pessoas, hoje conta com aproximadamente 500 membros. Apesar de todas as crises, conflitos, perseguições e boicotes ao longo das últimas décadas, Awra Amba vem fortalecendo-se e tornando-se reconhecida nacional e internacionalmente como uma experiência exemplar de desenvolvimento comunitário sustentável.

 

 

Alguns dos vários cartazes expostos na sede de visitação de Awra Amba, nos quais estão expressos os princípios da comunidade.

 

 

Awra Amba significa “topo da colina” e está localizada na porção noroeste da Etiópia, na região de Amhara, por onde passa o Rio Nilo Azul e onde ficam o Lago Tana e sítios históricos como Gonder e Lalibela, alguns dos destinos turísticos preferidos no país. Ali, as coisas funcionam de outro modo. A comunidade vive de acordo com seus próprios princípios, organização política e produtiva. Educação de qualidade, igualdade entre os gêneros e solidariedade são práticas cotidianas. Todos procuram viver como se fossem irmãos e irmãs. E visitantes são sempre muito bem-vindos.
Zumra Nuru, o fundador da comunidade, é frequentemente descrito como um visionário que peregrinou muito em busca de pessoas que compartilhassem de seus ideais e estivessem dispostas a adotar uma nova e progressista forma de vida, abandonando ou transformando práticas tradicionais que ele considerava prejudiciais.
Idealista e questionador desde criança, Zumra conta que começou a elaborar suas primeiras noções sobre igualdade aos quatro anos de idade, ao observar a sobrecarga de trabalho de sua mãe que, além de realizar as atividades rurais, era a única responsável pelo trabalho doméstico e cuidado familiar e ainda estava sujeita às ordens do marido e seus castigos. “Se somos todos uma família, porque meu pai descansa após o trabalho na roça e minha mãe continua a trabalhar, às vezes até de madrugada?” – se questionava. Também não entendia porque sua família, de tradição islâmica, era diferente dos vizinhos cristãos – “não somos todos seres humanos?”.

 

 

Local de produção de Injera (alimento tradicional e muito popular na Etiópia).

 

 

Na Etiópia, religião é coisa séria. E, à primeira vista, a impressão é de que ninguém vive sem ela. Trata-se de um país de população majoritariamente cristã ortodoxa, também habitado por muçulmanos, alguns protestantes e, em menor quantidade, praticantes de religiões africanas tradicionais. Nesse cenário Awra Amba é uma exceção. Lá, não há classificações religiosas. Não há igrejas ou mesquitas. Embora acreditem na existência de um criador, as instituições religiosas não fazem parte do cotidiano da comunidade – “Se o criador está em todo lugar, não há necessidade de construirmos uma casa para ele”, explicam. Cultos e rituais religiosos também não são praticados em Awra Amba – nem mesmo durante casamentos ou lutos. O espaço para que as crenças se manifestem são os bons pensamentos e as boas ações.
Quando duas pessoas se casam, também não há festa. Os noivos retomam suas atividades normalmente no dia seguinte, pois não se deve desperdiçar dinheiro ou tempo de trabalho. O casamento só acontece se for livremente consentido entre a mulher e o homem e só é permitido na idade adulta (a partir dos 19 anos para as mulheres e dos 20 anos para os homens). A partir de então, o casal deve viver em paz e harmonia, compartilhando os frutos do trabalho e tomando decisões conjuntamente.

 

 

A biblioteca de Awra Amba.

 

 

Em Awra Amba, há uma prática conhecida como “discussões familiares pela paz”. Com frequência, membros da comunidade se reúnem para discutir e resolver problemas no nível familiar – homens e mulheres, crianças e adultos têm igual direito de participação nessas discussões. Há também 13 comitês responsáveis pelos mais diversos aspectos da vida social: coordenação da agenda de trabalho, recepção de hóspedes, legislação, achados e perdidos, cuidado com os órfãos e idosos, cuidado com os doentes, identificação de problemas, resolução de queixas e conflitos, segurança, educação, higiene e organização do trabalho comunitário. Todos esses comitês são coordenados e supervisionados pelo comitê de desenvolvimento.
O trabalho ocupa lugar central na organização social da comunidade. Rigor, disciplina e cooperação são as palavras-chave. Toda semana, um dia de trabalho de cada um dos membros é investido em um fundo comunitário destinado àqueles que não podem trabalhar ou que estão passando por alguma dificuldade financeira. Não há atividades masculinas ou femininas. Todos podem trabalhar na fiação do algodão, moenda dos grãos, agricultura, culinária, limpeza, educação etc., de acordo com suas habilidades e preferências. Exceto pelas crianças, que devem apenas frequentar a escola.

 

 

Atividade de tecelagem em Awra Amba.

 

 

Em sua fundação, Awra Amba dependia basicamente da agricultura. Mas, ao longo dos anos, a comunidade foi forçada a migrar e, ao retornar, encontrou grande parte de suas terras ocupadas por outros moradores. Foi então que se teve a ideia de investir na fiação de algodão e tecelagem para complementar as atividades econômicas. Hoje, a comunidade possui diversos teares e uma loja aberta aos visitantes. Seus produtos são referência em qualidade têxtil em todo o país.

 

Hoje, a Etiópia é o segundo país mais populoso da África (atrás apenas da Nigéria), com 95 milhões de habitantes. De população predominantemente rural e economia fortemente baseada na agricultura de subsistência familiar, o país passa por uma situação grave de insegurança alimentar, apesar de todas as medidas de política agrícola implementadas nas últimas décadas com o objetivo de eliminar a situação de injustiça e exploração na zona rural. Que a utopia de Awra Amba continue a se fortalecer e espalhar.

 

 

The Awra Amba community believes that in life, people always come first, and that wealth comes second.

(A comunidade Awra Amba acredita que, na vida, as pessoas sempre vêm em primeiro lugar, e a riqueza em segundo – Frase escrita em um dos cartazes expostos no centro de visitação).
Doing a “women’s job” doesn’t change my sex. It changes my ignorance.

(Fazer um “trabalho feminino” não muda meu sexo. Muda minha ignorância. – Frase escrita em um dos cartazes expostos no centro de visitação).