Foto: Divulgação
O afrofuturismo é um movimento estético africano que mescla o realismo mágico, a fantasia, o pós-colonialismo e a arte de contar histórias. Suas propostas são criticar o cotidiano, sobretudo as realidades urbanas e ambientais, e dialogar com os futuros da África. Utiliza de elementos já conhecidos da ficção científica para explorar ideias sobre a Diáspora Africana, a tecnologia, a vida social e os projetos para o futuro recentemente criados.
O interesse sobre o tema no continente é tão grande que diversos artistas e instituições criaram um evento para fomentar o diálogo, demonstrando como avança a integração cultural africana que já é capaz de criar um festival internacional em três diferentes cidades, tarefa dificilmente realizada em outras partes do mundo. Trata-se do African Futures, financiado pelo Goethe-Institut da África do Sul e realizado entre os dias 28 de outubro e 1º de novembro de 2015. O evento englobou três festivais interdisciplinares sobre a ficção científica africana, debatendo as principais obras no continente, com diversas apresentações literárias, cinematográficas, acadêmicas e musicais.
A programação acontece em três grandes cidades de África: Joanesburgo, Lagos e Nairobi. Com a participação de diversos escritores e diretores de cinema, o projeto pretendeu discutir os próximos passos no caminho de fomentação da cooperação, emponderamento e integração africana pela ficção científica. O projeto deve impulsionar a cooperação entre artistas africanos, manter diálogo sobre o futuro das narrativas e abrir espaço para novas expressões artísticas afrofuturistas.
O planejamento do festival possui estruturas modernas para comunicação e mobilidade entre os artistas para conectar estas cidades. Grandes artistas de todas as regiões africanas estiveram presentes em conferências entre as exibições e workshops. É importante ressaltar que o projeto ainda vai além do continente e para tal realizou videoconferências conectando Joanesburgo com São Paulo e Nova Iorque, duas cidades consideradas irmãs das produções culturais africanas.
A lista de grandes trabalhos de afrofuturismo é longa. Para início de conversa, o blog Afrocyberpunk, criado por Jonathan Dotse para catalogar todas as principais produções do continente na área. O autor, baseado em Accra, Gana, apresenta ideias para ficção científica de uma forma inovadora criando realidades fantásticas para tratar os problemas sociais do continente com outros olhos. Histórias imaginando gangues tecnológicas, expedições no espaço lideradas por africanos e super-heróis da periferia das grandes cidades do continente e outras produções independentes já foram retratadas em seu blog.
Teaser de Afronauts:
Dentre as recomendações para leitura há Something Wicked, uma revista sul-africana para histórias de terror; Jungle Jim, uma revista de pulp fiction que já publicou ficções em pleno congestionamento de Lagos; “Earthling”, sobre crianças LGBT na Somália e a revista Bakwa, de Camarões e Wordsmack, uma editora sul-africana para plataformas digitais que apresentou a história Future Jozi sobre o futuro de Joanesburgo. Vale a pena conferir também as obras da escritora nigeriana-americana Nnedi Okorafor cujas histórias de ficção são inspiradas na forma moderna como os nigerianos utilizam a tecnologia de uma forma diferente da Ocidental.
AFRONAUTS TEASER from Nuotama Bodomo on Vimeo.
Para o cinema, o sci-fi africano conseguiu destaque internacional com Neill Blomkamp, produtor de Distrito 9 (2009), que faz uma crítica ao Apartheid sul-africano com um filme sobre a chegada de uma grande nave espacial no centro de Joanesburgo. Blomkamp já havia produzido um curta-metragem com a história e recentemente dirigiu outro filme, Chappie (2015), sobre um robô de alta tecnologia que possui sentimentos humanos e mora numa Joanesburgo futurista e inteligente para a securitização urbana.
Trailer de Les Saignantes:
Em relação a produções cinematográficas independentes o destaque fica com o francófono Les Saignantes (2005), um thriller sensual de duas mulheres lutando contra a elite política de sua cidade e Afronauts (2014), uma história inspirada em fatos reais sobre uma tentativa da Academia Espacial da Zâmbia de ultrapassar os estadunidenses na corrida espacial durante a Guerra Fria. Por sua vez, o curta Umkhungo (2010) fala sobre um menino órfão em Joanesburgo com poderes especiais, já Pandora (2015) é um curta experimental em 360º lançado em Gana, produzido pelo criador do Afrocyberpunk, sobre o mito de Pandora reinterpretado na realidade da capital do país, Accra.
Trailer do curta Distrito 9:
As narrativas afrofuturistas são uma maneira excelente de conhecer as inovações da África contemporânea considerando as percepções africanas sobre sua realidade social e suas identidades no cenário internacional. As produções trabalham com os desafios da realidade social de forma sutil e muito bem elaboradas, já conectando com as possibilidades de futuro e situando o pensamento do leitor ou telespectador na visão do africano sobre suas percepções de identidade no mundo atual e no mundo futuro, exprimindo os medos, expectativas, sonhos e recriando histórias tradicionais para uma experiência contemporânea de arte.