width="62" height="65" border="0" /> width="75" height="65" border="0" /> width="75" height="65" border="0"/> /> /> /> />
África

África Urbana
por Flora Pereira

 

 

Grandes cidades, grandes projetos de urbanização, arquitetura contemporânea – essas são ideias quase nunca associadas aos países africanos. A África, há décadas, por monotemáticos filmes e reportagens, foi marcada, no imaginário coletivo do ocidente, com uma imagem de uma região predominantemente rural. No entanto, essa não é a realidade do continente: 38% da população africana vive em metrópoles com mais de um milhão de habitantes, em 18 países já existem mais pessoas vivendo em cidades do que no campo e a população urbana do continente, que cresce a ritmos galopantes, deve triplicar nos próximos 50 anos, segundo dados da Organização das Nações Unidas. Tais estatísticas junto ao fortalecimento de uma arquitetura contemporânea africana inventiva desafiam a percepção ocidental do mundo de uma África rústica. Aumento anual do PIB, queda rápida da pobreza, atração de investimento e uma grande inversão em arquitetura e engenharia, com média de gastos de U$ 220 bilhões por ano apenas em projetos de construção, revelam um continente urbano e sugerem que o futuro está indiscutivelmente na África.

 

 

No entanto, é importante lembrar que a formação dos primeiros centros urbanos africanos não é um fenômeno recente e data de séculos antes do imperialismo europeu. São muitas as cidades nascidas durante a existência dos grandes impérios pré-coloniais como Zanzibar, Mombasa e Tumbuktu. Tempos depois, surgiram como importantes capitais de rotas comerciais locais, no século XIX, cidades como Acra e Lagos. Ainda, no século XX, no período pós-guerra, aumentou-se a demanda mundial de matérias-primas do continente africano, que para isso desenvolveu infraestruturas que comportassem a distribuição e exportação dos materiais, provocando o crescimento exponencial dos centros de comércio já existentes. Por fim, com os processos de independências das nações, deu-se uma atenção maior para o desenvolvimento urbano, com alto fluxo da migração populacional do ambiente rural para as grandes cidades em busca de emprego e melhores condições de vida.

 

 

A urbanização impulsiona a produtividade e consequentemente a prosperidade. A proximidade e maior interação entre os atores urbanos possibilitam transferência de conhecimento e tecnologia, acelerando o processo de inovação. No entanto, a urbanização por si só não é suficiente para gerar crescimento econômico e propõe novos desafios. O primeiro é pensar uma urbanização sustentável de modo que o crescimento econômico das cidades proporcione mais oportunidades de emprego, diminua a disparidade de renda dos meios urbanos e rurais e pense, de forma plena, o desenvolvimento sustentável, respeitando as diferentes culturas do continente. Tema que evoca o segundo incitamento: pensar a modernização e urbanização combinadas com a pluralidade cultural africana, sem deixar para trás milênios de história e sem provocar uma perda de identidade. Um dos arquitetos mais renomados do mundo, o tanzaniano David Adjaye, considerado um dos responsáveis por revelar a África como um lugar de inovação arquitetônica, explica que o desafio é se afastar do pastiche clichê de uma única cultura pan-africana imaginada, e pensar a arquitetura africana contemporânea sob diferentes perspectivas: “É preciso entender que a África tem seis zonas geográficas: Maghreb, deserto, Sahel, florestas, savana e montanhas. Cada lugar com suas próprias particularidades – e a cultura cresce do clima. Como você responde a esse clima extremo e faz uma arquitetura que se torna apenas uma? Uma arquitetura africana?”. Adjaye procura em seu trabalho traçar o perfil da cidade africana em um contexto global, buscando a compreensão das culturas individuais. Entre seus trabalhos, está a Loja Conceito Alara, em que ele aplica conceitos da tecelagem e artesanato típicos da região. Localizada em Lagos, na Nigéria, é considerada a assinatura de estilo de vida atual da África Ocidental. Exportando seu talento para o mundo, é também ele quem assina o Museu Nacional de História e Cultura Afro-Americana, em Washington, colocando no coração dos Estados Unidos, uma coroa iorubá em forma de edifício, prestando homenagem às esculturas tradicionais em madeira elaboradas por artistas da região da Nigéria e do Benin no século XIX.

 

 

 

Cidade do Cabo, África do Sul

 

 

Outro arquiteto que tem mostrado ao mundo o protagonismo do continente na construção de novas e autênticas identidades urbanas é o nigeriano Papa Omotayo, fundador do escritório MOE+, que propõe uma nova concepção de arquitetura, em que esta seja considerada uma ciência social, pensada para pessoas e não para os edifícios. Para Omotayo, os arquitetos precisam se considerar produtores culturais encarregados de criar cidades melhores e ambientes mais responsáveis, que se afastem dos falsos ideais globais do neoliberalismo, e que considerem uma abordagem mais holística da arquitetura e da vida na terra. “Devemos encontrar formas de prédios mais sustentáveis. Acho que na África, as pessoas estão reconhecendo o quão importante é o espaço em que vivem e tentando diminuir as suas pegadas. Mas, sustentabilidade é algo além disso. Antes de pensar um projeto, você precisa responder a um contexto, entender como funciona um lugar, como vivem as pessoas. A solução é reconhecer a tecnologia e aspirações contemporâneas, mas sempre tentar achar respostas nas tradições para continuarmos contextualizados com nossa história e preocupados com nosso futuro”, conclui o arquiteto.

 

 

 

 

Harare, Zimbábue

 

 

Outro exemplo é Kunlé Adeyemi, que procurando articular uma visão alternativa do desenvolvimento africano, acredita que a arquitetura deve incorporar a personalidade única dos espaços onde é aplicada. Ele é o criador da Escola Flutuante Makoko, construída no distrito homônimo, um assentamento informal de 100 mil habitantes no coração da maior cidade da Nigéria. Para a construção da escola, que se tornou um símbolo de esperança na arquitetura africana para populações de baixa renda, utilizou formas tradicionais da região de Lagos, com aplicação de madeiras flutuando sobre uma plataforma feita de 250 barris de plástico. Já Francis Kere, nascido em Burkina Faso, se destaca pela aplicação de soluções  nativas e uso inovador de materiais locais, representando em suas obras uma identidade nacional, em que, dando valor às técnicas locais de construção, une tradição e modernidade. Inovadores, incorporando a sustentabilidade e a estética inteligente em seus projetos, os profissionais africanos têm mostrado o impacto social da arquitetura do continente. Procurando entender o quadro da vida atual em África, e documentando, em edifícios, a natureza da vida urbana em seus países, um número cada vez maior de organizações, programas de universidade e arquitetos de peso estão colocando, de vez, a arquitetura africana no palco do mundo.

 

 

 

Joanesburgo, África do Sul