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África

África LGBT: luta pós-colonial e arte queer
por João Pedro Silveira

 

Documentário LGBT de Uganda. (Foto – Reprodução)

 

 

É importante dar voz à experiência LGBT africana para entendimento da questão dos direitos da comunidade a partir de um olhar pós-colonial. Compreender as tensões coloniais e pós-coloniais que as sociedades africanas viveram é fundamental para um novo olhar sobre a vivência desta comunidade na África e perceber que a LGBTfobia não possui raízes na cultura africana, mas sim no imperialismo imposto ao continente por tantos séculos.

 

 

Diferente do que se propaga, a África é o berço de diversas das religiões que mais apóiam, aceitam e lutam ao lado da comunidade LGBT. São religiões que respeitam a passagem do espírito, em sua manifestação de carne e osso, do jeito que ele vier, sem preconceitos edistinções de gênero, com muito amor, aceitação e maturidade. Foi em solo africano que viveram reis homossexuais, pessoas cresceram e vivenciaram seu gênero e sua sexualidade com liberdade e onde hoje grupos lutam por visibilidade e emancipação com muita criatividade e expressividade.

 

 

A abordagem para os direitos LGBT, a representação das vivências queer no continente africano e as futuras relações entre o Ocidente e a África sobre o assunto devem ser baseadas no conhecimento mútuo e na releitura do preconceito como construção imperial, estando aberto a ouvir as trajetórias, lutas, resistências, criações e expressões dos LGBT africanos na África e em todo o mundo.

 

 

 

Revista LGBT de Uganda. (Foto – Reprodução)

 

 

Imperialismo e a Construção da LGBTfobia

Na verdade, na África, a homofobia alcançou seu ápice durante a expansão do cristianismo no período colonial. A Bíblia chegou ao continente junto às grandes investidas coloniais e imperialistas e as religiões praticadas pelas sociedades africanas eram vistas, pelo olhar do colonizador, como expressões de barbárie e blasfêmia. O cristianismo desembarcou com os primeiros colonizadores no século XV e estabeleceu-se com os missionários imperialistas do século XVI ao XX.

 

 

Mesmo após as independências dos países que formaram o continente africano, que só começou a acontecer em meados do século XX, o Cristianismo e o Islamismo continuaram fortes e ainda mais influentes nessas sociedades. O secularismo vivenciado pela maioria dos Estados ocidentais, portanto, não conseguia se sustentar num continente onde as elites caminhavam lado a lado com os dogmas religiosos. Nos países de maioria islâmica, onde a Constituição é influenciada pelas práticas muçulmanas, a condenação às práticas homoafetivas é dada pela sharia, a lei islâmica.

 

 

Do lado cristão ainda é possível visualizar investidas “neocoloniais” de grupos religiosos fundamentalistas cristãos ocidentais no continente africano. Estas, buscando novos fieis para seguir suas investidas quase mercadológicas da religião, chamam a África de “Marco Zero” da luta contra os homossexuais, fazendo-se acreditar que a homofobia possui também origens na cultura africana, quando na verdade este é um continente de religiões historicamente abertas à diversidade sexual e de gênero, além de contar com a presença de grupos que expressam sua liberdade com muita criatividade e luta.

 

 

 

 

Queer africano: expressão LGBT africanos e emancipação política

Selly Thiam, uma senegalesa lésbica repatriada nos Estados Unidos em 2006, fundou um projeto de história oral dos LGBT africanos chamado None on Record, com planos de expansão do projeto para um festival em Nairóbi, capital do Quênia, em outubro de 2015. Tudo para dar visibilidade ao LGBT. Hoje, o projeto conduz diversas entrevistas sobre a vivência cotidiana queer no Oeste da África, incluindo a participação da Comissão de Direitos Humanos para Gays e Lésbicas do Quênia e da ativista Cleopatra Kambugu, da Coordenação Executiva da Coalização Gay e Lésbica do Quênia e Uganda.

 

 

Mesmo com todas estas iniciativas, o governo do Quênia insiste em coibir os LGBT. Primeiro foi publicada uma lista com nomes dos 100 LGBT mais procurados em seu território, em seguida o vice-presidente queniano William Ruto declarou não existir espaço para gays no país. Contudo, uma grande comunidade LGBT, conhecida por sua forte atuação em busca de visibilidade internacional de sua vivência, resiste com firmeza aos desmandos governistas. Dentre os principais personagens desta luta se destaca o escritor Binyavanga Wainaina, responsável pela série Growing Up LGBT in Africa (crescendo como um homosexual em África), além das grandes produções na capital Nairóbi de filmes, shows, festas e espaços cosmopolitas destinados ao público GLS.

 

 

Por abarcar diferentes vozes, a internet é ferramenta fundamental na luta contra a homofobia e foi a rede um dos espaços usados para um protesto contra a lista queniana dos gays mais procurados. A série chamada Pearl of Africa, produzida com o apoio do sueco Jonny Von Wallström e que narra a trajetória da ativista transexual Cleopatra e seu companheiro, conseguiu via Facebook alcançar o sonho de chegar à Tailândia, lugar que descrevia como o “paraíso trans”. Lá Cleopatra pode finalmente fazer a cirurgia de troca de sexo.

 

 

A luta e resistência ultrapassa as fronteiras do Quênia, a a cultura queer é referenciada em diversas cidades do continente, como as produções de Dope Saint Jude, ativista feminista e LGBT da Cidade do Cabo, na África do Sul, que conta histórias da vida gay no continente por meio de sua música. Também em Uganda é lançada a revista Bombastic, criada por Kasha Jacqueline Nabagesera, após uma iniciativa de colaboração no Facebook, que propõe recontar as histórias dos LGBT no país e referenciar a cultura gay a partir de uma visão dos próprios membros da comunidade homossexual, bissexual e transexual. A primeira tiragem foi de 15 mil exemplares e pode ser considerada um marco da cultura gay em toda a África.

 

 

Outro nome importante no processo é o de Seun Kuti, músico e ativista nigeriano, que recentemente realizou um apelo internacional por meio de uma carta que convida todos os LGBT a ‘saírem do armário’ contra as declarações homofóbicas do ex-presidente da Nigéria, o magnata Jonathan Goodluck. Em Lesotho, o grupo Matrix, criado pelo trans Tampose Mothopeng, compartilha as experiências dos LGBT no continente e defende as associações LGBT independentes do continente, que lutam pela visibilidade e igualdade a partir das experiências vividas no seio da comunidade africana.

 

 

Conhecer o arco-íris africano é também uma forma de entrar em contato com a representatividade, arte, música e experiências de vida que podem nos ensinar sobre tolerância e sobre construções sociais que excluíram pessoas por suas orientações ou cor, mas que não mais cabem na convivência humana. A África LGBT é uma fonte de conhecimento sobre a diversidade humana que não podemos deixar de escutar e experimentar.

 

 

*João Pedro Silveira Martins é graduando em Relações Internacionais pela PUC Minas.