Arte: Natan Aquino
Uma receita de beleza das mulheres de Burkina Faso começa a se espalhar pelo mundo e criar força no mercado de cosmética internacional: a manteiga de karité. O país, um dos principais produtores e maior exportador do artigo, vê os efeitos de uma tradição feminina secular refletir direta e positivamente em sua economia. Produzida tradicionalmente por mulheres, a demanda local e internacional que aumenta significativamente a cada ano tem beneficiado diretamente cooperativas femininas, empresas sociais e pequenas empresas que participam do ciclo de sua produção: desde a colheita até a fabricação dos produtos cosméticos.
Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, a FAO, o crescimento permitiu que milhares de mulheres rurais de baixa renda melhorassem expressivamente suas condições de vida e refletiu diretamente no emporadamento e emancipação da mulher burkinabè e de sua contribuição marcante na economia nacional. Outro destaque do mercado é a procura cada vez maior por uma produção 100% sustentável, seja no produto perfumado ou no puro, que é tradicionalmente ecológico. Ainda, o comércio justo garante a qualidade das condições de cultivo e fabricação, preservando a tradição e conservando o meio ambiente.
Hoje, no mundo da cosmética, existem duas formas de comercialização da manteiga. A simples e a perfumada, sendo a primeira mais recomendada para o uso medicinal e a segunda representada por diferentes produtos de beleza, sobretudo o sabonete. Enquanto cooperativas se juntam para promoção de uma colheita sustentável e propagação do comércio justo, algumas sociedades da pós-produção buscam transformar os produtos cosméticos em 100% ecológicos, também aplicando as normas de sustentabilidade aos componentes que complementam a produção. É o caso da saboneteria artesanal Diamant Vert, que além de fabricar sabonetes puros de manteiga de karitê, criou uma linha com 19 tipos de sabonetes biodegradáveis, combinando a karitê com outros elementos naturais de Burkina Faso para criar diferentes fragrâncias.
A ideia, segundo sua fundadora Marlene Contout, é atingir a máxima da sustentabilidade dentro da produção. A própria karitê é comprada da cooperativa de mulheres Fundação Ragussi, que promove a colheita sustentável do karitê e de outros frutos utilizados pela saboneteria para composição dos óleos. Além de privilegiar os produtos naturais do país, para a produção ecológica, a saboneteria escolheu o óleo de coco ao invés de óleo palma e para a saponificação utilizam o método a frio, o que significa que todas as qualidades nutritivas da karitê serão preservadas. Sem nenhum tipo de conservante ou produto químico, os sabonetes de Karitê com aloe vera, ene, leite, mel, moranga, milhete, sésamo, limão verde e baobá estão entre as criações da pequena sociedade Diamant Vert, que hoje conta com sete pessoas em sua equipe, todos apaixonados pela arte de fazer sabão.
A ‘karité’, que significa árvore de manteiga, é exclusiva do continente africano, mais precisamente da sua região oeste, uma vez que precisa do clima presente entre o sahel e as savanas para se desenvolver. Há séculos, o uso de sua manteiga faz parte da história econômica e social local. Tradicionalmente, além da aplicação cosmética, o produto é, por exemplo, utilizado na culinária burkinabé, na preparação de alimentos e reforço de molhos e cozidos. Do ponto de vista da medicina tradicional e terapêutica, é aplicada no tratamento de dores musculares, reumatismos, luxações, torções e queimaduras, sendo o acessório principal das massagens corporais. Além disso, por conta de suas propriedades cicatrizantes, é empregada para acelerar a cura do cordão umbilical, o fortalecimento de músculos e a cura de estrias.
No entanto, quando o assunto é a manteiga, o que se destaca são seus atributos cosméticos. Com fortes propriedades regenerativas e restauradores e sua composição recheada de vitamina A, D, E e F, a manteiga foi durante séculos e ainda é a fonte de beleza das mulheres da África do Oeste. Empregada para solucionar problemas de desidratação e descamação e também como protetor solar natural, a planta é considerada um presente da natureza para lá de útil contra o clima seco do sahel. Outro foco estético é o cabelo, contribuindo para suavização do couro cabeludo, prevenção de caspas e para a definição de penteados de homens e mulheres, um status social importante na cuidadosa e detalhada estética burkinabè. Ainda, adicionada de outros produtos locais como raspas de limão e óleo de coco, o produto transforma-se em um dos perfumes preferidos da região.
Para o ciclo da manteiga de karité, o conhecimento local é imprescindível. Passados de geração em geração, as técnicas de produção e colheita são o segredo que impulsionaram a circulação ativa do produto e sua valorização econômica. Para a coleta, a árvore precisa alcançar 15 anos de idade, período em que ela começa a dar os seus frutos, que se assemelham a forma de um abacate, com polpa doce e semente coberta por uma casca fina. A produção média é de 15 a 20 quilos de frutas frescas por árvore a cada estação, o que significa quatro quilos do produto seco e dois quilos da manteiga. Os frutos só são colhidos depois que, naturalmente, caem no chão, uma vez que os pendurados na árvore não são maduros o suficiente para a produção do óleo. A coleta é sempre feita por mulheres, que transportam até 40 quilos do fruto por dia cada uma em grandes cestos para as vilas, onde será a extraída a manteiga das amêndoas.
Uma vez lavadas e secas na sombra, é realizado um processo manual de moagem com o tradicional pilão africano, para em seguida a torragem. O próximo passo é a imersão em água até a formação de uma pasta grossa, que será fervida para eliminar as impurezas e separar a manteiga de outros componentes, que se depositam no fundo da panela. O produto final é a superfície flutuante, que é filtrada e embalada, pronta para um dos seus destinos: temperar alimentos, aliviar dores musculares, proteger o corpo dos efeitos ambientais, combater rugas e ressecamento, hidratar a pele, cicatrizar machucados, atrasar o envelhecimento, aliviar tendinites, ajudar no tratamento de espinhas, alergias e picadas de insetos e por aí vai! Com tantos benefícios, não é difícil de entender a paixão nacional pelo produto ou sua explosão no mercado cosmético internacional. Burkina, literalmente, está colhendo os frutos de sua preservada e elaborada cultura.