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SenegalUma combinação entre forças físicas e místicas
Texto e Fotos: Flora Pereira da Silva
Arte: Natan Aquino

 

Crenças, treinos, talismãs, dedicação, rezas, habilidade, força, elementos místicos: juntos, todos formam uma paixão nacional que carrega centenas de anos de história e tradição, a luta senegalesa. Conhecida popularmente como laamb na língua franca do país (o wolof), a luta é na verdade proveniente da cultura serer, onde nasce com o nome njom, termo que significa “coração ou honra” e que já diz muito sobre a tradição. Espalhado pelos quatro cantos do país, o esporte virou um fenômeno que ultrapassou qualquer fronteira étnica. Virou febre e ganhou o status de esporte nacional, difundindo megaeventos que, ao juntar os melhores lutadores da arte, atraem semanalmente milhares de espectadores.

 
A luta é rodeada de rituais místicos, e apesar da crença de que a força e o treinamento são importantes para a vitória, não há senegalês que negue o valor das cerimônias de sorte e das energias extras. Antes, durante e depois da luta são inúmeros os rituais praticados para afastar o azar, ou então, para tirar a sorte do oponente. Os mbeurs (palavra wolof para lutadores) antes do confronto, ao ritmo dos tambores, performam uma dança emblemática chamada bakk, que além de captar as energias positivas também serve como um suplemento para atrair o carisma do público. Além disso, os atletas entram na arena de combate acompanhados de marabus, espécie de protetor espiritual, que cristalizam durante todo o confronto orações para a vitória do seu protegido.

 
A magia não acaba por aí. Não há combatente que entre na disputa sem estar coberto de gris-gris, que são os talismãs locais. Amarrados no tornozelo, pulso, parte superior do braço e cintura, os amuletos são considerados essenciais para trazer sorte ao lutador. O gris-gris mais especial de todos vai enlaçado na cabeça e é feito de conchas, artefato considerado imã de sorte no país. Outro toque importante é o banho de água benta. Preparada com ervas, plantas tradicionais e ingredientes místicos, os jogadores se lavam segundos antes da luta com litros do líquido para garantir a proteção contra os maus espíritos. Para finalizar, cada jogador tem o seu próprio ritual: esfregar o pé em uma pedra, fazer círculos no chão, jogar areia no peito e por aí vai. Tudo para a sorte estar ao lado.

 
É claro, ter o suporte da torcida é mais do que uma grande ajuda, afinal são milhares de pessoas pedindo pelas mesmas energias, cada uma delas com seu próprio gris-gris. No entanto, as grandes competições televisionadas são apenas parte da cultura que gira entorno da luta. É nos vilarejos que o laamb toma forma, se concretizando como um valor que vai além do esporte. Cortejos, rituais de iniciação, disputa de terra e compartilhamento de colheitas foram os agentes originais do surgimento da tradição, estando a conquista da honra permeada entre todos eles. São os mesmos valores preservados desde a época do lutador mais antigo de que se tem registro, Boukar Djilak Fayer, um Serer que viveu no século XIV durante o Reino de Sine.

 
Fily Paco, morador do vilarejo Djilacoune, em Casamance, região onde nasceu a tradição, explica que a luta começou na época de seus ancestrais que iam caçar nos arredores dos vilarejos vizinhos para mostrar força e desafiar o ‘inimigo’ para uma batalha corporal. O vencedor, além da honra da vitória, levava as terras e as plantações do oponente, que era obrigado a debandar para outros lados. Atualmente, a disputa de terra já não acontece. No entanto, o vencedor ainda leva para casa bons sacos de cereais das plantações do vilarejo perdedor, uma etiqueta hoje mais ligada ao compartilhamento do que à disputa.

 
Desde então, os combates tradicionais são organizados logo após a estação de chuva e do período de colheitas, sendo ainda uma forma de celebração para anunciar que a safra foi boa. O modo de lançar o desafio continua o mesmo: vilarejo desafiando vilarejos vizinhos. “Preservamos os mesmos meios de comunicação que nossos ancestrais. Quando um desafio é feito, tocamos um tambor tradicional aqui da Casamance, utilizado para anunciar as lutas ou ocasiões especiais como mortes e nascimentos, que pode ser escutado a quilômetros de distância. Ou então vamos até o vilarejo selecionado carregando uma bandeira enrolada ao corpo. Pronto, se fizermos isso, eles vão saber que estamos querendo lutar contra eles”, exemplifica o ex-lutador.

 
Fora os desafios específicos, acontecem ainda, duas vezes por ano, cerimônias exclusivas, que juntam os melhores de cada vilarejo para as competições entre departamentos. Os eventos especiais trazem os jovens que se destacaram durante o ano nas competições de bairros e vilarejos, chegando a durar até oito dias. No modo tradicional, a luta começa sempre pelos mais novos e geração, uma por uma, vai se enfrentando, até chegar às grandes batalhas. 15 anos é a idade mínima para as grandes cerimônias entre departamentos, dez anos para o campeonato entre vilarejos e cinco para o entre bairros.

 
Para as competições, os regulamentos são rígidos e complexos. Aplicada por três árbitros, uma luta dura dois tempos de dez minutos e pode incluir uma prorrogação. Combatentes lutam com as mãos nuas e sem proteção. É proibido jogar areia ou chutar. Socos só são permitidos nas grandes competições nacionais. Nos vilarejos, só vale a força do corpo. A luta termina quando um combatente sofre uma queda, ou seja, encosta cabeça, nádegas ou costas no chão. Ou ainda se se apoia com as duas mãos ou dois joelhos no ringue. Os árbitros, também conhecidos como sábios, são responsáveis por julgar se o jogador está mal posicionado, se foi pego de maneira errada ou se o movimento pode vir a causar danos mais sérios, tendo então o direito de parar a luta. São também os sábios quem decidem se os lutadores estão prontos ou não para o combate – física e espiritualmente.

 
Fily explica que no Senegal as crianças crescem assistindo o esporte e começam a praticá-lo logo cedo, desenvolvendo técnicas e forças naturais para a luta. No entanto, segundo ele, antes de tudo, para ser um bom esportista, é preciso ser apoiado pela família e pelo vilarejo: “isso porque são muitos os fatos místicos que a comunidade pode trazer com a influência de nossos ancestrais”, pontua o entrevistado, que ainda enfatiza que a regra vale tanto para homens quanto mulheres, lembrado: “Hoje em dia as mulheres estão lutando menos, mas antigamente a luta era muito importante para elas. E de muitas formas, ainda é. Além do esporte, a luta representa um dos mais importantes momentos da vida local, o ritual de iniciação feminino. No ano da entrada no bosque sagrado, as mulheres preparam uma seção de luta como tradição especial”. Bastam as histórias de Fily Paco, que navegam entre os desafios de vilarejos, os bosques sagrados para as mulheres e as forças ancestrais, para ter certeza que as cores e os valores da luta ultrapassam os confins do esporte para se afirmar como ingrediente indispensável na formação cultural do país.

 

 

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