deu nome ao país
Arte: Natan Aquino
Uma ponte de três quilômetros une a Ilha de Moçambique ao continente. De mão única e com pequenos espaços para criar passagem aos veículos que se cruzam, a sua aparência parece ser mais alongada do que o tamanho real. O mar que passa debaixo da construção é tão raso que até o meio do caminho é possível avistar, com seus arpões, os pescadores de lulas cobertos de água pouco mais que meio corpo. O tom azul claro só se transforma no escuro de profundeza poucas centenas de metros antes de abraçar a ilha.
Os primeiros a firmarem os pés no território foram os árabes, antes disso o lugar era deserto. Até então, a população da costa leste africana se contentava em habitar apenas o lado continental. Com a chegada dos comerciantes, a ilha passou a ser ocupada. Entre os visitantes estrangeiros que se fixaram por ali, um se destacou, o sultão Mussa Bin-Bique, que dominou o comércio da região por certo tempo. São poucos os registros sobre a sua história, mas o legado imaterial deixado por ele não foi nada menos do que o atual nome do país. Juntando o tempo à pronúncias erradas Mussa Bin-Bique virou Moçambique.
Dos árabes, a religião islâmica também se cravou, sendo a maior representante de todo o norte do país. Na ilha a incidência cinge 95% da população. As cinco rezas diárias que quebram o silêncio da cidade contrastam com o domínio da arquitetura portuguesa. São aproximadamente quatrocentas construções, que foram erguidas durante as centenas de anos da história lusitana na ilha, que começou em 1498 com a chegada de Vasco da Gama e terminou com independência moçambicana em 75. No entanto, à base portuguesa dos prédios se juntaram influências das tradições locais, índias e árabes fazendo do lugar uma conexão cultural única.
Testemunha do desenvolvimento das rotas marítimas do mercantilismo e do comércio de escravos; dona da Fortaleza São Gabriel, a primeira construção europeia do lado sul do mundo; lar de Luís de Camões e inspiração para Os Lusíadas; capital da Colônia Portuguesa africana; alvo de ambição dos holandeses no século XVII; casa de 24 barcos naufragados e seus tesouros; entre muitos outros marcos, a Ilha de Moçambique é atestada de vida e de história. Suas construções carregam tais marcas, assim como as cicatrizes de diferentes períodos de declives econômicos, sobretudo o da guerra civil pós-independência que se perdurou no país até 1992. Mas o quê de abandono, na sua poesia melancólica, chega a dar charme às ruas e vielas da cidade, que é considerada Patrimônio Histórico Mundial da Unesco.
A ilha se divide em duas partes, a ‘Cidade de Cal e de Pedra’, onde ficam as construções portuguesas, e a ‘Cidade de Makuti’, onde estão as casas tradicionais construídas de paus e com telhados de capim. Esta última região fica em grande parte abaixo do nível do mar, uma vez que foi dali, durante o período colonial, que foram retiradas as pedras para as construções portuguesas. A zona é também marcada pela presença elegante de árvores Maria Café, plantadas para proteger a terra de erosões. Hoje, a ilha abriga aproximadamente 15 mil pessoas, sendo a maioria de seus habitantes da comunidade tradicional Makua, população que dá o toque final à beleza singular do local.
De quando em quando, especialmente nos finais de semana, avistam-se mulheres dançando tofu, dança típica local, ou então com os rostos pintados de branco. Estão cuidando da pele, utilizando a máscara de beleza tradicional mociro. O pequeno pedaço insular de terra, que tem pouco mais de três quilômetros de comprimento e 300 metros de largura, ainda é enfeitado pelas senhoras de coloridas capulanas, cangas que caracterizam a vestimenta local. No píer, os guris ilhéus competem diariamente ‘saltos ornamentais’ e se jogam de cinco em cinco minutos para performar saltos alguns acrobáticos alguns espalhafatosos, que divertem os amigos na plateia.
Ao redor da ilha, os pescadores beliscam seus peixes do mar com suas boias, instrumento improvisado de pesca feito de garrafa de plástico, corda e experiência. Marisco se apanha com a mão, quando a maré baixa no fim da manhã. As crianças fazem parte da atividade e andam com seus baldinhos de cá e de lá. Quando não estão no mar, estão indo ou voltando das escolas. Desacompanhadas de adultos, vão se engraçando com os outros pimpolhos que encontram no caminho, dando cor às ruas da cidade. De noite, o calor leva os habitantes a estenderem suas esteiras do lado de fora da casa para aproveitar a brisa noturna. É também a hora de passar adiante as lendas da ilha. A história do dia conta sobre como a Fortaleza de São Miguel não foi realmente construída por portugueses, mas sim por um arquiteto e construtor muito peculiar: o fantasma Makua Manani. E nos simbolismos entrelinhas do conto, a cidade adormece.