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GanaPreservando os segredos da cultura Ashante e do tecido kente 
Texto e Fotos: Flora Pereira da Silva
Arte: Natan Aquino

 

O Império Ashanti está entre os mais poderosos reinos que existiram no oeste africano. Um forte estado pré-colonial, que emergiu no século XVI e que, por mais de 200 anos, resistiu à dominação inglesa. Localizado no atual Gana, o império nasceu com a unificação dos povos Akan, que ocupavam a região há quase seis séculos. Osei Tutu foi o líder responsável pela união e foi com seus novos modelos e políticas que a singularidade Ashanti tomou forma de identidade e começou a se consolidar. Uma nova constituição foi criada e a capital Kumasi estabelecida, iniciou-se também um processo de organização e centralização militar e o importante símbolo do Golden Stool (banco de ouro), que representa a força de todos os ancestrais de seu povo, foi criado. Os novos padrões trouxeram a base necessária para a afirmação de uma força que já permeava a região e que, até hoje, servindo de inspiração para o mundo, é considerada um tesouro africano: a força artística e cultural Ashanti.

 

 

Reconhecido internacionalmente, um dos maiores e mais importantes itens dessa cultura é o tecido kente. Mais do que um pano, como muitas das formas de artes visuais da África, o kente é uma representação da história, filosofia, ética, religiosidade e, sobretudo, valores sociais e políticos do povo Ashanti. Marcado pela combinação de cores fortes e vivas, seu uso inicialmente era reservado para a realeza e limitado a funções sociais e eventos sagrados. Com o tempo, a sua produção aumentou e sua utilização foi difundida para todos os níveis sociais. No entanto, seu status de prestígio se mantém até hoje, e as formas autênticas do pano são sempre consideradas como um importante artifício de sofisticação cultural. Em muitas comunidades, o protocolo tradicional de uso continua sendo seguindo, com o uso do tecido reservado para ocasiões especiais e sagradas como celebrações de nascimento, iniciações, casamentos, funerais e festivais históricos.

 

 

A origem no kente, atribuído ao povo Ashanti, é o fruto de uma longa tradição de tecelagem no oeste da África, com raízes culturais que datam de até 3000 AC. Alguns historiadores afirmam que o pano, no formato atual, é a consequência das múltiplas tradições e formas de tecelagens que sempre estiveram presente na região. O kente foi o resultado da inspiração trazida pelas confecções produzidas nos impérios de Gana, Mali e Songhai, mas que ao longo do tempo, criou características técnicas e estéticas exclusivas, se consagrando com um patrimônio artístico único. Já na lenda Akan, a invenção é atribuída a Ota Karaban, um morador de Bonwire, hoje um dos principais centros de tecelagem Ashante. A história oral conta que ao observar uma aranha tecendo sua teia, ele teve a ideia de reproduzir a técnica em um tecido de ráfia e aos poucos foi melhorando sua habilidade, até chamar a atenção do rei, que adotou o pano como roupa oficial e sagrada.

 

 

 

 

A razão histórica para que o uso do kente fosse destinado exclusivamente ao rei e sacerdotes é ligada às crenças sociais e religiosas da sociedade Ashanti. Para os pensadores tradicionais da cultura, o tecido estava fortemente associado à pureza espiritual. Acreditava-se que o pano enrolado ao corpo como vestimenta servia não apenas para proteger da sujeira física, mas para prevenir a contaminação de espíritos impuros. A tecelagem era assim uma função sagrada, realizada apenas por profissionais especializados e selecionados a dedo pelo rei, que entregava a cada tecelão roupas especiais e uma pomada purificadora, com a qual deveriam se lavar antes de começar o trabalho. Os teares e as bolsas utilizadas para o transporte do kente também recebiam tratamento especial, sendo asseadas com uma cera considerada imaculada.

 

 

As tradições não param na confecção. Para a forma de utilização da roupa também estão estabelecidas algumas formalidades. O tamanho do tecido e a maneira de vesti-lo é diferente para homens e mulheres. Enquanto para o look masculino é utilizado um grande pedaço de pano em volta do corpo, deixando o ombro e o braço direito descoberto, o look feminino combina duas a três peças de diferentes tamanhos, enroladas no quadril, no busto e na cabeça. Idade, estado civil e posição social também definem a medida e o design do pano a ser utilizado. Outra etiqueta está na escolha das cores. Cada tonalidade representa uma forte mensagem: preto é maturidade, energia intensificada e energia espiritual; azul é tranquilidade, harmonia e amor; verde é colheita, crescimento e renovação; dourado é riqueza, glória e pureza espiritual; vermelho é ânimo político e espiritual, derramamento de sangue e ritos de sacrifício e morte; entre muitos outros exemplos cromáticos.

 

 

 

 

No âmbito das singularidades das normas de utilização, a mais importante culturalmente é a escolha e produção para a roupa do Asantehene, nome dado ao chefe político Ashanti. Se no passado, o uso da roupa kente era reservado exclusivamente ao rei e a tecelagem envolta de mistérios, realizada em lugares secretos, nos dias de hoje, apesar da difusão do uso do kente, a vestimenta do líder continua sendo exclusiva, com direito a espiões responsáveis por garantir que nenhum outro cidadão utilizará o mesmo modelo que o monarca durante as funções e eventos. Inclusive, imitá-lo na vestimenta é considerado deselegante e fora de moda. Algumas características, como o uso do dourado para detalhes e uma faixa central no design do pano, também são exclusivas do Asantehene. E por fim, a cor escolhida por ele é de alta relevância, que além de servir como mensagem social é considerada como um forte meio de comunicação e representação política.

 

 

Vilarejo Adanwomase
Em 1697, o rei em poder, a fim de aprimorar as técnicas da produção de kente, selecionou tecelões de quatro cidades para estudar a forma da arte, e os enviou para Bonkutu, então centro comercial no norte da Costa do Marfim com forte tradição em tecelagem. Depois do retorno, os selecionados se tornaram os responsáveis oficiais pela produção das roupas reais. Entre as quatro cidades escolhidas, destaca-se o vilarejo de Adanwomase, que se mantém até hoje como um enclave da tecelagem real, abrigando entre os seus moradores, o Mfufutomahene, chefe responsável pela produção do kente em preto e branco para o Ashantehene e também por ser o guardião do Sesia, cesto que contém todas as amostras históricas de kente tecidas na cidade. Adanwomase virou um marco cultural que protege a tradição secular e a complexa arte da tecelagem Ashanti, símbolo cultural poderoso e fonte de orgulho para todos os ganenses.

 

 

O pequeno vilarejo de Adanwomase, localizado a 27 quilômetros da capital regional Kumasi é uma importante comunidade Ashanti cuja subsistência gira em torno da herança kente. Ali, o trabalho realizado pelos tecelões mantém a integridade histórica e cultural da arte, que flui pelas ruas de terra da cidade. A maioria da população está envolvida na produção do tecido. Enquanto os homens são os responsáveis pelo tear, as mulheres se encarregam do comércio, e as crianças a partir dos seis anos de idade, já podem começar o processo de aprendizado da metodologia e dos valores sociais e culturais carregados por ela. Refinado e de alta qualidade, o kente de Adanwomase é confeccionado com técnicas tradicionais, mas a produção também conta com um leque de opções inovadoras, com designs modernos e contemporâneos mesclados à configuração original.

 

 

 

 

Adanwomase é um destino pouco conhecido no percurso do turismo tradicional e a sensação de visitá-la é de estar descobrindo um segredo ainda bem guardado. Mas não é apenas a aula de história viva oferecida em suas ruas que faz valer a jornada. O que dá o brilho ao passeio é a fundação de turismo comunitário fundada pelos próprios moradores. A Adanwomase Tourism Management é uma associação sem fins lucrativos, gerida pelos cidadãos do vilarejo, que promove o turismo sustentável e cultural assim como o comércio justo do kente, revertendo 60% do lucro diretamente para a comunidade e 40% na infraestrutura do turismo local. A base do trabalho consiste em levar o visitante por um passeio histórico e educativo, em que é narrada a história da cidade, do tecido e da cultura Ashanti, além de uma bela introdução às técnicas de produção (passo a passo) do kente – tudo interativo, com direito até à aula de tear!

 

 

O passeio turístico começa dentro da sede da associação, onde um guia introduz os valores da cultura local e a importância do tecido na sociedade. Já nos primeiros minutos, a parte prática tem início e o anfitrião apresenta um por um os aparelhos manuais de tear: aquele que faz a fiação, aquele que enrola os fios em carretéis, aquele que cria o conjunto de cores e por aí vai. O turista é convidado a manusear cada um deles, aprendendo as técnicas tradicionais da produção de kente. O algodão, que antes era desfiado manualmente, hoje é fabricado em indústria, mas no centro, a técnica antiga também entra no pacote interativo, explicada minuciosamente pelo guia.

 

 

Durante a visita, o turista pode ainda vestir a roupa tradicional do rei e da rainha Ashanti – mas só para foto, lembra o guia, enfatizando a deselegância de sair com as roupa reais na rua. No jardim da associação um artefato para elaborar a combinação de cores do tecido e alguns metros à frente, mais de 30 teares espalhados, onde 50 talentosos artesões se revezam, confeccionando longas faixas de kente. As faixas costumam ter entre 15 e 20 centímetros e são depois costuradas umas as outras formando o tecido completo. Na criação, são três os tipos de panos produzidos: o simples, que leva apenas uma camada de tecido e que demora entre três e quatro dias para ser fabricado; o duplo, que conta com duas camadas e depende de uma semana de trabalho; e por fim, o mais complexo e refinado, que leva até um mês para ficar pronto, o triplo, que conta com duas camadas de tecido e uma de detalhes, que cobre por completo as outras duas. Para esta última, somente os tecelões mais experientes assumem o desafio.

 

 

 

 

A imersão na cultura do vilarejo de Adanwomase não para na produção do kente. O passeio se estende para uma visita ao palácio do chefe do vilarejo, ao santuário do curandeiro tradicional, à floresta sagrada, ao velho palácio da cidade e à árvore que deu o nome ao vilarejo. Ainda, outro foco especial é a visita à fazenda de cacau, segunda fonte de renda da cidade. Na produção agroecológica, além de uma aula sobre a história econômica do cacau em Gana, que tem a segunda maior produção do fruto no mundo, o visitante aprende sobre os valores medicinais das raízes, folhas e sementes fornecidas pelo cacaueiro.

 

 

Ainda, no passeio, é possível testemunhar a produção de vinho de palma, bebida típica da África do oeste, provar os pratos tradicionais da região, conhecer o chefe da comunidade, se hospedar na casa de um habitante e aproveitar a cada momento a interação com os moradores, que recebem os turistas de coração aberto. Para terminar o passeio e dar o mergulho final na cultura local, uma aula sobre a denominação Ashanti, em que tradicionalmente cada membro da sociedade recebe um nome de acordo com o dia da semana em que nasce. E de lambuja, o turista também ganha o seu! Enquanto a cultura Ashanti, enriquecida pela arte do kente, encontra em Adanwomase um casulo para manter-se viva e pulsante na sua forma mais original, o turista encontra ali uma oportunidade única de conhecer de perto um tesouro muito bem resguardado e de se conectar com aqueles que o criaram.

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