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NamíbiaO início do abstrato

Texto e Fotos: Flora Pereira da Silva
Arte: Natan Aquino

 

Twyfelfontein significa primavera duvidosa, “às vezes com água, às vezes sem água”, explica a pomposa moça que guia o passeio pelas gravuras rupestres do noroeste da Namíbia. Para chegar até o museu a céu aberto é preciso passar por poeirentas estradas de terra, só atravessadas por carros normais durante o período de seca, que faz sumir os riachos que normalmente cortam o cenário. Em Damara, a língua local, o ambiente recebeu outro nome, também apropriado: “o lugar cheio de pedras”.

 

Mas não são pedras quaisquer, ali se encontram as principais gravuras rupestres da África, desenvolvidas há cinco mil anos pelos bosquímanos, também conhecidos como bushmans, pertencentes à etnia San. Para eles, a atividade era especialmente utilizada para a medicina tradicional. Os shamans, os doutores de então, utilizavam-na como um modo de embarcar no mundo sobrenatural. Desenhar sobre as pedras facilitava o processo de transe. Os shamans esculpiam os seres mitológico em que se transformavam, as formas geométricas que haviam enxergado durante o processo ou então os animais por eles considerados poderosos.

 

Muitos historiadores acreditavam que esse processo era comunitário, mas as ruínas de Twyfelfontein provam o contrário. Ali, encontram-se várias gravuras “secretas”, localizadas em pedras de difícil acesso, o que mostra que alguns artistas se escondiam para melhor concentração e desenvolvimento do processo criativo. Além dos rituais, as gravuras também serviam como modo educativo: identificar pegada de animais, descrever a fauna observada durante viagens e ilustrar melhor a narração de histórias. Em Twyfelfontein, as Rock Stars são os leões, girafas, zebras, kudus, elefantes e até mesmo umas foquinhas, avistadas por bosquímanos que gostavam de colocar o pé na estrada.

 

As gravuras eram produzidas durante a seca, período em que as pessoas eram obrigadas a se aglomerar perto das poucas fontes de água. Era uma temporada de intensas atividades cerimoniais, que ajudavam a preservar os valores e consequentemente a coesão do grupo. Em Twyfelfontein o período de maior florescimento artístico foi há 5 mil anos, quando uma dura seca predominou na região fazendo com que as comunidades caçadoras e coletoras desenvolvessem uma grande variedade de estratégias para a sobrevivência econômica.

 

Mas qual é a importância dessas gravuras? Bom, vale lembrar que são elas as primeiras tentativas do homem de se comunicar por formas abstratas, revelando muito da psique humana. Em termos artísticos, o trabalho é complexo. As superfícies não só foram gravadas através do lascar da pedra com uma pedra pontiaguda ou um martelo, mas também foram aterradas e polidas com abrasivos como areia. Além disso, os artistas experimentavam técnicas de sobreposição e de relevos falsos.

 

Toda a estrutura do museu que organiza e oferece a visita foi planejada e executada de modo a minimizar o impacto às gravuras e seus arredores. Os caminhos artificiais criados para observação da arte rupestre evitam a erosão ou deslizamento das pedras. E ainda, o design é sustentável e qualquer parte da construção pode ser removida e realocada caso necessário restauro e retorno à aparência original. A Namíbia parece estar no caminho certo.

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